sexta-feira, 15 de novembro de 2019

A luta contra a irrelevância no século 21

O pensador Yuval Noah Harari, autor de best-sellers como "Sapiens" e "Homo Deus", fala verdades que ecoam na nossa cabeça. Cuidado, Harari pode mudar sua vida. Ele é subversivo, embora não pareça. Passou agora pelo Brasil e encantou todos os tipos de audiência. Harari é um historiador israelense de 43 anos, cultuado como um popstar. Um oráculo contemporâneo, sereno e sem um pingo de arrogância, que acolhe as contradições humanas em vez de combatê-las. Vive em Jerusalém.

Quem tenta rotular e enquadrar Harari pode cair um pouco no ridículo. É uma missão impossível. Ele não tem smartphone mas um de seus temas preferidos é inteligência artificial, biotecnologia e ditadura digital. Foi em um site de encontros que conheceu seu marido; só aos 21 anos ele soube que era gay. É ateu, mas medita diariamente seguindo uma das linhas mais rigorosas, Vipassana, que significa “introspecção”. Prega a união global, mas elogia o nacionalismo do bem, que constrói pontes, não muros. Foi banido no Irã, acusado de "darwinismo", de teórico ocidental da evolução, perigoso para a juventude.

Minha primeira conexão com Harari foi íntima e casual. Eu queria fazer curso de meditação. Mas qual? Transcendental? Silenciosa ou guiada? Em grupo ou individual? Comprei o livro de Harari “21 lições para o século 21”, por causa do título. Não havia lido seus best-sellers sobre a humanidade, não sabia que meditava. Comecei a folhear o livro de trás para a frente. O último capítulo se chamava “Meditação/Apenas observe”. As 12 páginas do capítulo foram inesperadas, uma iluminação. Harari, o pensador que discorre para plateias internacionais sobre o passado, o presente e o futuro da humanidade, afirma que a maior descoberta de sua vida foi o poder da respiração, aos 24 anos. O ar que entra pelas narinas. E o que sai.


"A primeira coisa que aprendi observando minha respiração foi que eu não sabia quase nada sobre a minha mente e tinha muito pouco controle sobre ela (...) Durante anos vivi com a impressão de que era o senhor da minha vida, e o presidente executivo de minha própria marca pessoal. Mas poucas horas de meditação foram suficientes para me mostrar que eu quase não tinha controle sobre mim mesmo. Eu não era o presidente executivo - mal era o guarda no portão de entrada.(...) O real enigma da vida não é o que acontece depois que se morre, e sim o que acontece antes de morrer. (...) Tendo criticado tantas narrativas, religiões e ideologias, nada mais justo do que eu me colocar também na linha de fogo e explicar como alguém tão cético ainda é capaz de acordar bem-humorado de manhã".

O historiador e professor israelense diz que não teria conseguido tempo, foco nem clareza para escrever todos os seus livros se não fizesse um retiro anual de um ou dois meses e não meditasse. “Durante no mínimo duas horas por dia eu entro em contato com a realidade e efetivamente observo a realidade como ela é, enquanto nas outras 22 horas fico assoberbado com e-mails e tuítes e vídeos de cãezinhos fofos”. E nós reclamamos de falta de tempo. Ou será desperdício de tempo? O que fazemos com nosso tempo? Por que as grandes empresas ainda não descobriram o poder da meditação na produtividade de seus funcionários e no lucro? Por que muitos desprezam essa técnica de autoconhecimento?

Há alguns anos, Harari apontou quais são, na sua opinião, as maiores ameaças mundiais: a guerra nuclear, o colapso ambiental e o desemprego em massa provocado pela inteligência artificial. Se permitirmos que os algoritmos, usados por corporações e governos, continuem a manipular nossos desejos, a adivinhar nossos sonhos, a gente já era. Assustador. Já assistiu à distopia reinante na série “Years and years”? Assista.

“Em países que perseguem os homossexuais, o governo saberá que alguém é gay antes que ele mesmo saiba”, diz Harari. Uma pista do que podemos fazer, como jornalistas ou cidadãos, está numa declaração que ele deu no Brasil: “A maior luta do século 21 será contra a irrelevância”. Não sejamos irrelevantes, essa é a maior das 21 lições. Precisamos escutar direito e agir.

Vi Harari no Theatro Municipal, onde falou para sua plateia favorita. Professores da rede pública, pesquisadores dos museus do Rio de Janeiro e estudantes. Veio a convite do LER - Salão Carioca do Livro. Pessoas ligadas a Harari contam que, em seus contratos de conferências no exterior, uma condição para o cancelamento é a saúde de seu "pet". Se o animalzinho estiver doente, ele não viaja. Ponto. Não li o contrato, mas, se for verdade, é uma inspiração. Temos o direito de dizer 'não' quando algo envolve sentimento e força maior. Não é para qualquer um. Mas nenhum de nós é qualquer um.

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