O mesmo se pode dizer de um bombeiro, chamado a viver diariamente com o perigo. O incêndio é um pesadelo. No Rio dos anos 50 testemunhei num domingo o da boate Vogue. Há pouco tempo acordei à noite com uma gritaria de pânico. Era a família de um prédio vizinho com o apartamento pegando fogo. Não houve vítimas, só prejuízos. No dia seguinte viajei e no hotel tratei de pedir um andar bem baixo.
Conheci nos velhos tempos um oficial do Corpo de Bombeiros. Alma delicada, era também músico. Caráter generoso, sem jaça, sua opção pela carreira tinha sido uma imposição do seu amor ao próximo. Por ele eu poria a minha mão no fogo, mesmo que não estivesse por perto. Pois bem. Não sei se vocês se lembram de um incêndio na zona do cais do porto. "Pavoroso sinistro", disseram os jornais sem receio do lugar-comum. Durou a noite toda. Desculpem se ouso dizer que um incêndio à noite é mais bonito. Digamos mais interessante. Claro que para quem assiste. Como para fotógrafos e cinegrafistas.
O meu amigo bombeiro apareceu de relance na televisão, mas a reportagem não lhe fez justiça. Foi o que senti quando me contou, modesto, o heroísmo de sua façanha. Para salvar vidas arriscou a própria vida. Não foi preciso me dizer isto às claras, porque há coisas que não se dizem. No caso não precisavam de ser ditas. No silêncio de seu recato, ele guardava, ao lado do orgulho, uma ponta de alegria.
O incêndio de fato tinha sido a grande oportunidade de sua vida. Quando começou a falar, percebi no seu coração a centelha de uma como euforia. Trazia nos olhos o brilho que de público é o prêmio do dever cumprido. Mas há no coração dos homens, bombeiros ou não, uma nota de paradoxal ambiguidade. No luto da catástrofe se esconde uma ponta de inconfessável júbilo. Dito isto, é fora de dúvida que a crise desta hora põe os políticos de orelha em pé. Resta saber se também brilham os olhos – e por quê.
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