A respeito do que nos levou a esse buraco, usualmente são apontadas as más ações do governo Dilma Rousseff, como nas contas públicas e em mercados como os de energia elétrica e petróleo. Mas também é preciso atentar para a dificuldade de, em seguida, adotar medidas para sair do buraco e, não menos importante, de perceber que ele surgiu no caminho de uma estagnação de longo prazo que desde 1980 marca a economia. Estagnação é o crescimento do produto interno bruto (PIB) abaixo do potencial de um país, e não a interrupção desse crescimento.
Quanto a essa estagnação, há vários mecanismos atuantes e, subjacentes a eles, causas econômicas e político-institucionais. Um dos mecanismos opera assim: pós-Constituição de 1988 a carga tributária bruta subiu até 2008, depois caiu um pouco e voltou a subir; em 2018 bateu o recorde da série histórica iniciada em 1947, o novo valor é de 35,1% do PIB, conforme este jornal do dia 29/7. Além disso, com os empréstimos que toma, principalmente para pagar juros de sua dívida crescente, o governo absorve mais uns 6% do PIB, tomando assim cerca de 41% do setor privado, o das empresas e famílias. Mas atuando dessa forma o governo retira recursos de um setor que investe, em expansão da capacidade produtiva, muito mais do que ele, que fica em apenas cerca de 2% do PIB, enquanto o setor privado alcança perto de 13% do PIB.
Conforme o economista Carlos Antônio Rocca, famílias e empresas poupam perto de 20% do PIB, mas emprestando cerca de 6% do PIB ao governo, este, nada propenso a investir, consome ou “despoupa” esses recursos, o que prejudica o crescimento da economia, pois o investimento é a força mais importante a impulsioná-lo. Aliás, Rocca receberá neste mês o prêmio de Economista do Ano, da Ordem dos Economistas do Brasil. Já lhe era devido há muito tempo. Especialista em fluxo de fundos, o “siga o dinheiro”, ou o “follow the money” da economia como um todo, só ao mostrar esse desvio, de uma grande poupança que não chega ao investimento, o credenciaria para essa premiação.
A ampliação da carga tributária veio porque a Constituição de 1988 criou mais obrigações para o governo, que, ao concedê-las, mais outras benesses, ampliou essa carga, levando-a a sucessivos recordes, culminando com o citado, de 2018, que agravou o mecanismo apontado.
Noutro mecanismo danoso, na Constituição há várias regras que carecem de mudanças, pois a realidade é dinâmica e exige flexibilidade em regras jurídicas de alcance econômico e social. O resultado é uma inflexibilidade decisória que prejudica o crescimento econômico, entre outras nefastas consequências.
O caso da Previdência Social é ilustrativo dessas dificuldades. É sabido que as regras previdenciárias atuais são incompatíveis com a saúde financeira do sistema, dado o rápido envelhecimento da população, que diminui a proporção entre contribuintes e beneficiários. Nesse contexto, as aposentadorias precoces, sem adequados limites de idade, somam-se às dificuldades demográficas que o sistema enfrenta. E há ainda outras regras frouxas na concessão de benefícios.
A reforma previdenciária ainda depende de mais votações no Congresso. Mesmo que não seja de novo reduzida em seu impacto fiscal, já se fala que uma nova reforma será necessária na próxima década, e excluiu-se do projeto original de reforma a supressão do assunto do texto constitucional, o que facilitaria mudanças. Ou seja, mais procrastinação do problema e encrencas políticas no caminho de resolvê-lo.
Noutra visão, é como se a Constituição operasse num sistema analógico, enquanto o universo a que ela se aplica tem uma dinâmica digital muito acelerada, gerando e acentuando desequilíbrios de todo o tipo.
Com isso ela perde eficácia, que se soma à maléfica ação de políticos aéticos ao não se pautarem pelo bem comum, com exceções cada vez mais excepcionais. Essa falta de ética é falta de educação e não sei como resolver. Mas para buscar maior eficácia na gestão há duas lições de Stephen Covey, cujo principal livro conheci num seminário sobre gestão no qual a maioria dos presentes era de executivos empresariais, sem um único da área governamental. A primeira é que gestores eficazes devem, evidentemente, dar prioridade à solução dos problemas mais importantes e urgentes. A segunda é que eles também não podem negligenciar problemas importantes, mas na ocasião não tão urgentes, pois mais à frente essa negligência vai torná-los crônicos e de consequências muito mais sérias.
Aqui, no Brasil, essa procrastinação é um hábito dos nossos governantes, como demonstrado pelo próprio caso da Previdência Social; e conforme o noticiário dos últimos dias, há outros problemas evidentes, como o prisional e o saneamento básico, de solução também procrastinada.
Ainda na Previdência, o projeto de reforma do governo Michel Temer, sem êxito então, não foi aproveitado pelo governo atual, que poderia tê-lo apoiado e expandido mesmo antes da sua posse, para ganhar tempo. E numa nova procrastinação, a votação do projeto atual foi suspensa por um abominável recesso parlamentar, que deveria desaparecer até a adoção das medidas legislativas necessárias à saída do buraco.
Em síntese, há uma vocação nacional para procrastinar soluções de graves problemas. Falta um senso de urgência, sem o qual a economia vai seguir acumulando décadas perdidas num caminho agravado por um buraco hoje, outro amanhã.
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