Um pouco de história: a longa administração conservadora de Margaret Thatcher fez o trabalho, digamos, sujo de demitir funcionários excedentes, cortar gastos públicos, controlar o poder dos sindicatos de empresas estatais (e depois privatizá-las), além de desregulamentar a economia, reformar a legislação trabalhista e reduzir a pesada burocracia do Estado.
Depois de um início custoso, com greves e desemprego em alta, funcionou. Com investimentos privados, o país voltou a crescer e gerar emprego e renda. Não por acaso, Thatcher ganhou três eleições seguidas.
Quando veio o desgaste até normal da administração conservadora, o serviço principal estava feito. Aí veio Tony Blair com a suave conversa do “Novo Trabalhismo”: retomada dos investimentos públicos em educação, saúde e segurança, mas em uma economia livre, aberta e competitiva.
Já entre nós, quando o eleitorado comprou a ideia de que era preciso desmontar o Estado excessivo e abrir a economia, porque só produzíamos carroças protegidas, acabou elegendo Fernando Collor, cuja agenda correta para o momento não resistiu ao caixa de PC. E terminou que a agenda liberal caiu no colo de Fernando Henrique.
FH não liderou um movimento dentro de seu partido e junto aos aliados para construir uma agenda comum de reformas. Para dizer francamente, pelo menos no começo, foi tudo no vai da valsa. As trapalhadas seguidas de Itamar Franco acabaram jogando o Ministério da Fazenda no colo de FH. Aí valeram a sabedoria e aguda percepção política do professor, que definiu logo o inimigo imediato — a superinflação — e escalou a equipe certa para atacá-lo.
Então, foi na sequência: para consolidar o combate à inflação, era preciso controlar o déficit das contas públicas, para o que eram necessárias as reformas, incluídas as privatizações.
Vindo da esquerda, eleito com base nas novíssimas notas de real, FH precisou construir essa agenda momento a momento. Excetuada a equipe econômica, quase ninguém entre seus colaboradores e seguidores estava preparado para a missão. Tratava-se de uma elite intelectual criada nas ideias socialistas e social-democratas, que viu ruir o Muro de Berlim e alcançou o poder em um mundo em que só existia capitalismo — e numa fase de liberalismo à americana ou “thatcherista”.
Além dessa turma, havia os velhos políticos, todos acostumados a viver em torno do Estado. A gente até se espanta de ver quanto o governo FH avançou na agenda modernizadora.
Mas, é claro, não terminou o serviço. E parte desse serviço, eis outra peça do destino, ficou para o governo Lula. É a origem de nossos problemas atuais; o eleitorado se cansou de uma agenda liberal antes que ela tivesse sido completada. E elegeu um governo propondo mudar tudo para a esquerda, mas topando com os entraves causados justamente pela não conclusão da agenda liberal.
Daí o Lula do primeiro mandato, uma mistura de esquerdismo estatizante e reformas. Até que se sentiu seguro, jogou fora qualquer coisa perto de liberal, trouxe os velhos políticos e exacerbou na corrupção. E deu no governo Dilma, que acabou de desmoralizar a esquerda e a política.
Era a hora da direita, entendeu o eleitorado. Mas o voto foi mais anti-PT do que pró-agenda liberal. E deu Bolsonaro, extrema direita autoritária e atrasada.
É verdade que carregou Paulo Guedes, este, sim, um verdadeiro liberal e que, surpresa, consegue tocar o seu programa. Mas ele não é o presidente, é demissível. E a política econômica fica constantemente em risco pelos modos e falas do presidente Bolsonaro.
Tudo considerado, eis o que sempre nos faltou: uma boa direita, moderna, capaz de ganhar uma eleição com uma agenda liberal e implementá-la rigorosamente. E depois — por que não? — abrir espaço para uma esquerda contemporânea. Os dois lados colocando para fora os velhos políticos corruptos.
Carlos Alberto Sardenberg
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