Segundo Cícero, tudo o que é moralmente correto deriva de quatro fontes: a percepção ou desenvolvimento inteligente do que é verdade; a preservação da sociedade organizada, em que todos recebem o que merece e cumprem com suas obrigações; a grandeza e força de um espírito nobre e invencível; ou a ordem e moderação em tudo o que é dito e feito, por meio da temperança e do autocontrole. O presidente Jair Bolsonaro não se enquadra plenamente em nenhum desses quesitos.
Talvez se aproxime apenas do espírito invencível, que o levou à Presidência, mas deixa muito a desejar, no terceiro quesito, quanto à nobreza, por causa do comportamento rude e desrespeitoso em relação aos que o contrariam, desde o correligionário que ousa contestá-lo à primeira-ministra alemã Angela Merkel, hoje a principal liderança europeia. Um dia sim, outro também, o presidente da República dá uma declaração polêmica, às vezes escatológica. As pesquisas dirão como a maioria da sociedade encara isso, mas as pessoas educadas, de qualquer orientação política, reagem negativamente, inclusive as que lhe deram o voto nas eleições passadas.
No exterior, então, a repercussão desse estilo de governar é péssima. Nunca um presidente brasileiro teve sua imagem tão associada ao nazismo e ridicularizada por chargistas dos principais veículos de comunicação do mundo. O presidente Donald Trump também é muito criticado por suas declarações xenófobas, racistas e misóginas, mas dispõe de meios de intervenção na política e na economia mundial com os quais não contamos. Mesmo que Bolsonaro queira fazer um piquenique à sombra de Trump na política internacional, sua capacidade de atuação em fóruns multilaterais e nas relações bilaterais sofre restrições absolutamente desnecessárias por causa de suas atitudes e declarações.
Lembro-me de uma história contada pelo falecido jornalista Walter Fontoura, então diretor da sucursal do jornal O Globo em São Paulo, sobre Roberto Marinho, seu patrão. O criador da TV Globo viajou para a capital paulista e, como sempre, Fontoura foi buscá-lo no Aeroporto de Congonhas. Marinho estava acompanhado de Lili de Carvalho, com quem havia se casado. Fora convidado para um jantar com uma personalidade, mas não conseguia lembrar o seu nome.
“Walter, como é mesmo o nome do rapaz com quem vamos jantar?”, indagou Marinho. “O escritor Vargas Llosa, aquele candidato a presidente do Peru”, respondeu Fontoura. “Não é o que rasgou a carteira de identidade na campanha?”, comentou Marinho. “É ele, sim!”, confirmou o jornalista. Foi o bastante para Roberto Marinho cancelar a agenda com o autor de Conversa na Catedral: “Esse moço é muito mal-educado, não vou jantar com ele, não”. Liberal-radical, polêmico e temperamental, Vargas Llosa perdeu a eleição para Alberto Fujimori, em 1990, mas ganhou o prêmio Nobel de Literatura em 2010. Hoje, vive na Espanha.
Desde os tempos ancestrais, os códigos morais regulam o comportamento humano. Não são imutáveis. Os códigos de Ashoka, na Índia, e Hamurabi, na Babilônia, por exemplo, estão extintos. Todos, porém, buscam uma resposta para a seguinte indagação: o que é agir corretamente? Ao se tomar uma decisão, há uma dimensão ética e outra pragmática, muitas vezes tensa, que nem sempre são compatíveis. No longo prazo, o comportamento ético acaba sendo mais vantajoso.
Na política, como na teoria dos jogos, quando alguém ganha, outros perdem. Jogos de ganhar-perder são chamados de “soma zero”, porque as perdas equilibram os ganhos. Não existe ambiguidade, cada jogador fará o possível para derrotar o outro. Entretanto, há situações em que ninguém ganha, todos perdem. A guerra nuclear, os ataques ao meio ambiente e a recessão econômica, por exemplo, são situações de perde-perde. O presidente Jair Bolsonaro deveria refletir um pouco sobre isso. Muitas de suas decisões vão na direção de resultados nos quais todos perderão. Isso vale para os cortes na educação, a censura no cinema, a venda de armas, os radares das estradas e o desmatamento, para citar apenas alguns exemplos.
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