Nas duas tramas, Bolsonaro faz o papel de si mesmo. A diferença é que, na primeira, ele se apresenta do modo como pensa que é: um político imaculado, estalando de pureza moral. Na segunda, ele é visto da maneira como voltou a ser: um político convencional, com todos os vícios da espécie.
Ex-deputado do baixo clero, Bolsonaro inventou-se como baluarte da extrema-direita, reinventou-se como presidenciável da Lava Jato e chegou ao apogeu da metamorfose como presidente avesso aos maus costumes. No novo espetáculo, ele desossa o Coaf, intervém no Fisco e na PF, leva Sergio Moro à frigideira.
Enquanto aquele Bolsonaro hipoteticamente ético esteve no palco, travou com o pedaço do asfalto que o chama de "mito" uma relação de cumplicidade. Quem ouvia seus discursos aplaudia efusivamente ou, pelo menos, dispunha-se a acreditar graciosamente. Agora, o capitão promove um roadshow de horrores.
Bolsonaro arrasta três correntes no palco. A do filho 01 conduziu-o à parceria tóxica com Dias Toffoli. A do 02 enfiou-o num bunker assombrado por inimigos imaginários —dos generais aos comunistas. A corrente do filho 03 empurrou-o para o balcão onde a cadeira de embaixador é trocada por favores variados.
Rendido aos interesses de sua dinastia, Bolsonaro mantém com a verdade uma relação rude. Quanto mais ele a enfrenta, mais ela o aprisiona no seu enredo arcaico. Nele, prevalece não o versículo do Evangelho de João, mas o mandamento único da Lei de Murphy: quando algo pode dar errado, dará.
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