Há vários à disposição, inclusive autênticos representantes da direita internacional que o novo candidato a embaixador preza.
São todos da mesma estirpe. O príncipe pode ficar em usufruto do trono mas com retaguarda garantida. Sua presença, bem como a alegada amizade entre as famílias presidenciais, a admiração e o deslumbramento que o presidente brasileiro nutre por Donald Trump, a quem imita até no caminhar, estão distantes dos compromissos, sucessos ou fracassos da jornada diplomática.
O que haverá ali, se for aprovado o candidato, e deve ser pois não há nada mais "fake" do que as sabatinas do Senado, é uma convivência que se exercitará porque a confluência dos astros eleitorais colocou as duas luas alinhadas no período. Mas, a cada um, a sua vocação. Passado o fenômeno, cessa o fato. Criou-se uma situação artificial: se Trump não for reeleito, fica o embaixador brasileiro e o pai presidente com a missão de se reciclarem politicamente com rapidez. Também, se a proximidade deixar de ser necessária para Donald Trump, o espetáculo se desmanchará a olho nu.
Não são almas gêmeas cujos destinos estão amarrados: Trump tem partido, para começar, e um país, com tudo resolvido, para governar. Bolsonaro tem uma devastação á sua frente e nenhuma condição objetiva, nem mesmo vontade, de reconstituir o cenário.
Porém, enquanto as crianças descem a montanha russa e praticam o tiro, Trump joga War em um tabuleiro do tamanho do mundo. Os profissionais precisam atuar para não deixar o Brasil distrair-se, inebriado pelo status, e começar assim a perder vantagens que já conquistou.
Não é de agora a boa relação pessoal entre dirigentes dos dois países. É uma aproximação ideológica e de simpatia que se repete. Luiz Inácio Lula da Silva já foi "o cara" para um presidente americano; Fernando Henrique Cardoso foi comensal de Camp David de outro e, por seu intermédio, afagado em Downing Street.
O Brasil tem charme. Mas o que existe mesmo é a preocupação do governo americano de não perder completamente o controle sobre as decisões desse país de visceral para sua geopolítica.
O secretário de Comércio Wilbur Ross fez, semana passada, uma viagem de imersão empresarial ao Brasil, em clara aragem do terreno para os Bolsonaro. Vazou algumas sensações, não mais que isso.
Não existe acordo comercial em negociação, insinuado por ele. O que Ross deixou transparecer foi a preocupação do governo americano com o acordo do Mercosul com a União Europeia, firmado depois de 20 anos de negociação. Os Estados Unidos têm acordo com muitos países da América do Sul, menos com o Mercosul, e o Brasil tem 50% desse mercado.
O Brasil quer, claro, o acordo com os Estados Unidos, mas precisa preparar sua economia. E nada sai antes de cinco anos, portanto, o horizonte é de mais de um governo, mesmo que comece a negociar agora.
Há, ainda, entre os interesses imediatos, a preocupação com a Venezuela e o não alinhamento da política do Brasil aos Estados Unidos, agravado pelo apoio da China a Maduro. Há, também, o interesse e a preocupação dos Estados Unidos em não perder a guerra tecnológica para a qual mapeia sua força no mundo.
As relações políticas e comerciais precisam ser conduzidas por profissionais. Se a relação pessoal for fugaz, por perda de posto ou de gosto, os países permanecem íntegros.
Atenção redobrada, porém, porque o presidente americano está acostumado a se deixar adular sem retribuição. A lembrança da "relação carnal" com os Estados Unidos instituída pelo governo Carlos Menem, na Argentina, não pode inspirar a diplomacia brasileira, ao contrário. É risco garantido.
O Brasil, é fato, entregou mais do que recebeu dos EUA desde a chegada de Bolsonaro ao poder. Houve liberalização unilateral de vistos, cota ampliada das toneladas para o trigo, pleito antigo, entre outras facilidades de comércio. Alinhou-se aos americanos em fóruns multilaterais sobre temas de costumes - ambos os presidentes são "terrivelmente" conservadores nesse quesito.
Os americanos, que nunca entenderam bem porque o Brasil queria tanto entrar numa instituição com a qual não gastam adrenalina, a OCDE, acabaram por dar o apoio, mas o preço foi alto, exigiram em troca a perda do status de tratamento especial e diferenciado para países em desenvolvimento na OMC. Isso sim, uma vantagem entregue na bacia das almas.
Fora o fato, notório, de que Trump, aculturado no meio empresarial do jogo bruto, parece não ter grande admiração por aduladores que cedem com facilidade. Os que o conhecem de perto destacam: ele pode não gostar de Kim Jong Un (Coreia do Norte), mas já disse várias vezes que o respeita. Esperar para ver até quando suportará uma relação governamental melíflua. Trump não quer se mostrar isolado, e não está, mas custa a crer que contará Bolsonaro na sua companhia.
Quem será a força dominante do século 21? Quem dominará a tecnologia 5G? Quem dará o lance definitivo na OMC? São questões que permearam a visita de Ross. A China está no calcanhar dos Estados Unidos e já faz a ultrapassagem em assuntos do futuro que se jogam agora. O Brasil não é desprezível nesse jogo, mas precisa se levar a sério para pedir respeito.
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