A decisão de Toffoli atende a um habeas corpus impetrado pela defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e tem um escopo bem mais amplo. Atinge, como já se disse, todas as investigações e PICs (Procedimentos de Investigação Criminal) em curso no país até que o Supremo decida se o compartilhamento com o Ministério Público de dados fornecidos por esses órgãos agride ou não direitos fundamentais. A questão deve ser apreciada pelo plenário do tribunal em novembro.
E por que falo em espetáculo de hipocrisia? Vamos ver.
A decisão está essencialmente correta — e pouco me importa se isso é ou não do gosto dos Bolsonaros. Pessoas que desprezo politicamente não determinam o meu juízo sobre os fatos. Entendo que a quebra do sigilo bancário e fiscal de qualquer indivíduo deve ser submetida à Justiça. Mais: os tais Procedimentos de Investigação Criminal têm se constituído em verdadeiros inquéritos criminais informais.
Ora vejam… Quem mais tem recorrido a esses expedientes é justamente a Lava Jato. Vamos lá: se cada órgão de fiscalização resolver criar a sua tropa interna de elite para investigar alvos determinados, passando o resultado do seu trabalho diretamente para a polícia ou para o Ministério Público, então podemos declarar a obsolescência da Justiça.
Vamos ver qual será a decisão do pleno do Supremo quando avaliar a questão. Flávio Bolsonaro comemorou. E seu pai, o presidente da República, fez o mesmo. Não é que ele vira um legalista quando o protegido é o "sangue do seu sangue"? Então vamos às perguntas.
O que estaria dizendo a Primeira Família se uma decisão de um ministro do Supremo beneficiasse, por exemplo, um certo Luiz Inácio Lula da Silva? A Lava Jato é useira e vezeira no uso dos dados decorrentes do tal compartilhamento. Ora, com o apoio de Bolsonaro, de seus filhos e do seu governo, a extrema-direita e setores da direita foram às ruas duas vezes neste 2019. Em ambas, mandaram os direitos individuais às favas — em particular no ato do último dia 30 de junho, em defesa da Lava Jato.
Sim, eu posso afirmar que a decisão de Toffoli está correta — já que os sigilos são uma garantia constitucional, só podendo ser levantados com ordem judicial — porque é o que sempre disse. Mas será que os "bolsominions" e "morominions" podem afirmar a mesma coisa sem que fiquem corados de vergonha? Em havendo alguma, claro!
A resposta é "não!. No dia 30 de junho, por exemplo, o general Augusto Heleno, chefe do GSI, ultrapassou o limite do bom senso e fez um discurso inflamado, em Brasília, em defesa de Sergio Moro e da Lava Jato, que recorre aos métodos que, por ora, a liminar do ministro susta.
Reitero: e se a decisão de Toffoli beneficiasse diretamente um petista graúdo? A essa altura, o ministro só não estaria sendo chamado de "santo" pelos tais replicantes, movidos pela cretinice mais alvar. Ah, como a decisão atende ao interesse de Flávio, bem…, aí o ministro, então, se comportou como um homem justo.
Eduardo El Hage, coordenador da Lava Jato no Rio, afirma — e especialistas dizem ser um brutal exagero — que a decisão de Toffoli paralisa todas as investigações de lavagem de dinheiro no país. Como, doutor? Então nenhuma delas estava de acordo com as regras do jogo, com o ordenamento jurídico?
Nesta terça, os especialistas em "fake opinions", nas opiniões falsas, ficaram bem atrapalhados. Dizer que a decisão de Toffoli estava correta lhes parecia uma traição a seus preconceitos. Dizer que estava errada contrariava as ordens do patrão. Então preferiram enganar os trouxas com conversa mole.
Acho que Flávio e Fabrício Queiroz fizeram coisas do arco da velha. Que se investiguem as lambanças de acordo com o ordenamento legal. O mesmo vale para Flávio, para Lula ou para um qualquer. Isso, eu posso dizer. Eles não.
Sim, a decisão de Toffoli atende aos fundamentos legais. Isso não impede que reste a desmoralização ao discurso bolsonarista.
Uma das divisas dos "bolsomorominions" é o famoso "quem não deve não teme". Como eles acham, afinal, que estão certos, então é sinal de que acreditam que Flávio deve muito, uma vez que o temor, no seu caso, é explícito.
A reação de Bolsonaro é de um ridículo atroz. Uma coisa é a defesa do devido processo legal — algo que é absolutamente estranho ao seu universo. Outra, muito distinta, é achar, como quer o pai extremoso, que não há o que investigar no caso de Flávio e que tudo não passa de perseguição.
A qualquer pessoa com um mínimo de simancol resta a evidência de que Flávio teme, sim, a investigação. Nem poderia ser diferente. Quando Fabrício Queiroz, o seu ex-faz-tudo, resolveu dar uma explicação para as lambanças que ocorriam no gabinete do agora ex-deputado estadual, a emenda saiu bem pior do que o soneto.
Segundo Queiroz, ele, de fato, arrecadava um percentual do salário dos funcionários do gabinete. Mas só agiria desse modo para, com os recursos, contratar ainda mais pessoas para trabalhar informalmente no gabinete. E tudo, claro!, sem a anuência do chefe.
Sim, é preciso, nesse e em todos os casos, resgatar o devido processo legal. Até para que um político como Flávio possa ser punido.
Por ora, o senador se beneficia de uma ação em favor do devido processo legal. Mas é o devido processo legal que pode colocá-lo no local de merecimento.
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