A ala carioca do Febejapá fornece as três encarnações mais acabadas da hardcore. A primeira é a desembargadora Marília Castro Neves, guerreira contra o politicamente correto. Sua obra em redes sociais já afirmou que Zumbi dos Palmares é um “mito inventado” que “estimula racismo”, debochou de professora portadora de síndrome de Down, declarou que Marielle “estava engajada com bandidos” e que Jean Wyllys merecia uma “execução profilática”. Indagada, disse que foi brincadeira e acusou o “mau humor da esquerda”.
Marcelo Bretas e Wilson Witzel (ex-juiz, ainda embebido no éthos magistocrático) completam o trio. A performance de Bretas está nas redes sociais, que considera um espaço privado onde exerce liberdade de expressão. Ali, ironiza quem critica seu auxílio-moradia, curte postagens de Jair Bolsonaro, festeja o novo governo — que entende ser marcado por ministros técnicos no lugar dos ideológicos —, divulga fotos de seu treino na academia militar com fuzil e na academia de ginástica com camiseta regata. Afirmou dias atrás que a ação policial goza de “presunção de legitimidade” até que se prove o contrário e que, “em situação de legítima defesa, o policial tem o DIREITO DE MATAR o agressor”. Foi assim, em caixa-alta, sem nenhuma qualificação sobre o tipo de agressão ou a proporcionalidade da reação, como quer a doutrina penal moderna.
O “direito de matar”, em caixa-alta, soa como música para Witzel. Amigo de Bretas, foram juntos num jato da FAB à posse de Bolsonaro. Pouco importa que, durante a campanha, decisões de Bretas, corretas ou não, tenham afetado adversários do amigo. Witzel é figura folclórica na magistocracia e não se constrangeu pela divulgação do vídeo em que explicava a juízes sua “engenharia” para burlar o sistema e ganhar a “gratificação de acúmulo”. Seu protocolo policial é “mirar na cabecinha e fogo, para não ter erro”. Sua polícia, nos últimos dez dias, matou 42 pessoas. Sua “política do abate” esteve a todo vapor na favela de Manguinhos, em que 6 pessoas foram mortas. Acumulam-se evidências de que disparos foram feitos de uma torre da polícia, por snipers.
O Febejapá new age não é só truculência, mas também desfaçatez. Sergio Moro deu guinada na carreira e entrou para a política. Menos por apego à legalidade, mais por sua rara disposição de colocar, a jato, alguns poderosos na cadeia, foi aclamado síndico do panteão dos homens de bem e passou a gozar da presunção de infalibilidade. Emprestou, de graça, seu ao bolsonarismo. Associou sua trajetória a quem pratica caixa dois, festeja milícias e pede foro privilegiado no STF. Quando seus próprios sócios boicotam o projeto de combate à corrupção e restringem a transparência, engole em seco. Teve de substituir sua doutrina “caixa dois é crime contra a democracia” pela alternativa “ele já admitiu e pediu desculpas”. Seu pacote anticrime, já vimos, serve à filosofia hardcore, mas ele o explica com toda a serenidade e sem apego a evidências.
Por fim, o ministro Toffoli propõe um “pacto republicano” entre os Três Poderes na elaboração de “macrorreformas estruturantes”. Ali estão a da Previdência, a tributária, a da repactuação federativa, entre outras. Não especifica, contudo, o que mais lhe caberia como chefe do Judiciário — os sacrifícios que a magistocracia, estamento mais privilegiado do Estado brasileiro, que habita o 0,1% mais alto da pirâmide social, faria em nome dessas reformas. Na verdade, não especifica nada de concreto, apenas a promessa de boa vontade.
Há pouca coisa menos republicana que a proposta. A filosofia do republicanismo defende o oposto: pede distribuição do poder e controle recíproco de uma agência governamental sobre a outra. Exige participação social e contestação pública, a antítese de uma negociação palaciana. “A fase em que os Poderes estavam em conflito passou”, declarou. Não sabemos se combinou com seus colegas esse esforço colaboracionista. Eufemismos à parte, o “pacto republicano” é uma pérola antirrepublicana.
Em comum, o Febejapá new age tem alergia à divergência e ao contra-argumento. Seu pendor anti-intelectual despreza o argumento dos “especialistas”. Desqualificam o crítico em vez de responder à crítica. Temem a esfera pública.
Conrado Hübner Mendes
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