domingo, 17 de fevereiro de 2019

Autocombustão

O governo Jair Bolsonaro já estava paralisado sem nem ter começado. A expectativa era de que essa letargia cessaria com a alta do presidente da República após duas semanas de internação. Mas a prioridade de Bolsonaro e família ao deixar o hospital não era a reforma da Previdência, mas incinerar um aliado nas redes sociais, sem se dar conta de que a chama poderia voltar e chamuscar o próprio governo.

A semana terminou com Gustavo Bebianno ainda pendurado ao cargo por um fio. Parece que Bolsonaro vai demiti-lo oficialmente na segunda-feira, mas não é bom cravar nada. Afinal, o presidente chamou o seu secretário-geral da Presidência de mentiroso enquanto ainda estava no hospital, deixou o filho brincar de fritá-lo no Twitter, deu ordem para mantê-lo no cargo e, depois, o demitiu verbalmente. Mas nada está formalizado. Este, aliás, não é um governo que se atenha a formalidades.

Num show de horrores digno de programa de barraco familiar vespertino, Carlos Bolsonaro deixa vazar áudios privativos do presidente e o ministro atingido replica fazendo vazar conversas suas com o mesmo presidente. Eis a “nova era” da comunicação direta com o povo. Um coquetel perigoso de despreparo, arrogância, autoritarismo e ingenuidade leva os Bolsonaros a jurarem que estão revolucionando a forma de fazer política e se comunicar, mas se esquecem de que as armas que usam para aniquilar inimigos (mesmo aqueles que eram amigos até ontem) podem se voltar contra eles. Afinal, se não há privacidade assegurada, vale tudo na selva das redes sociais.


Quem mais tem a perder com isso é quem tem mandato. No caso, o presidente, que insiste em brincar no Twitter ou bancar o sujeito bonachão que se deixa fotografar de chinelo e camiseta pirata de time de futebol enquanto arbitra o futuro dos brasileiros na questão mais relevante de seu governo.

Acontece que o teatro do caos vai cansando mesmo aqueles que votaram nele. Sim, porque o coquetel demoníaco a que me referi faz com que o clã tuiteiro viva a ilusão de que o patriarca foi eleito única e exclusivamente pelas redes sociais, quando muitos apenas taparam o nariz e apertaram o 17 achando que era menos pior que o 13 do PT, que levou o País à bancarrota.

Bolsonaro foi eleito por 57.797.456 de pessoas. Menos que os 58.151.241 que votaram em Fernando Haddad, em branco ou nulo. Quando se somam a esse contingente de votos contra ele os 31.371.704 que se abstiveram, tem-se um número que deveria ser eloquente para qualquer mandatário sensato ver que precisa mostrar serviço sob pena de ver a popularidade ruir.

Agora, paralelamente à apresentação de um texto que mexe diretamente com a vida das pessoas, como é a reforma da Previdência, tem-se a encenação de uma ópera bufa da demissão de alguém que sabe tudo da vida da família Bolsonaro. O presidente parece não se lembrar de que Bebianno, antes de ministro do palácio e coordenador da campanha, foi seu advogado! Conhece, portanto, o histórico patrimonial da família, as relações de amizade, as entranhas dos gabinetes de todos e os acordos que foram feitos para o desembarque da tropa bolsonarista no PSL, que era e continua sendo uma legenda de aluguel nas mãos de Luciano Bivar.

O poder que tem alguém com esse nível de acesso, humilhado reiteradamente e com uma clara disposição de não ter a reputação destruída, é imprevisível. A frase dita a mim por Bebianno dá uma pista do que está por vir: “O que eles que chamam de inferno, eu chamo de lar”. A citação não é de nenhum filósofo. Como uma boa metáfora da era Bolsonaro, ela é o slogan do segundo filme da série Rambo, que retrata um militar expurgado, armado até os dentes e disposto a tudo para se vingar.

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