domingo, 17 de fevereiro de 2019

É possível prevenir novas tragédias?

Depois das chuvas e da ciclovia, o helicóptero com Ricardo Boechat. Depois de Mariana, Brumadinho. Depois da Boate Kiss, o Ninho do Urubu. Por que tragédias se repetem como roteiro de um filme macabro? Por que não conseguimos preveni-las? Descaso? Negligência? Inépcia? Impunidade? Respostas óbvias se sucedem a cada nova desgraça. Há o desleixo criminoso, o uso de técnicas arriscadas para erguer barragens, de materiais inflamáveis em abrigos ou construções, o desprezo por alarmes, regras de voo ou normas de segurança. Há a indiferença (ou corrupção) de autoridades responsáveis pela fiscalização. Mas há mais que isso: a dificuldade humana intrínseca em avaliar e lidar com riscos. Não se trata de desvio de caráter do brasileiro.


Mesmo em países onde as normas são respeitadas, mesmo quando os riscos são conhecidos, mesmo quando as sirenes tocam na hora certa, tragédias acontecem. Em 2011, na região central dos Estados Unidos, uma onda de 360 tornados deixou um saldo de 324 mortos, milhares de feridos e um rastro de devastação. Só em Joplin, no Missouri, morreram 158 pessoas no dia 22 de maio, o recorde de mortos em 64 anos de tornados. Detalhe: um alerta foi lançado com quatro horas de antecedência, sirenes soaram quase 20 minutos antes da chegada do flagelo. “Não é que as pessoas que haviam ignorado os alertas não tivessem ficado sabendo deles”, escreve o jornalista Michael Lewis no recém-lançado "O quinto risco". Todo mundo sabia. O que havia era uma sensação falsa de segurança, a confiança cega (“Se nunca aconteceu, não aconteceria”), a crença irracional numa trajetória imaginária do vento (não atravessaria um certo rio, se dividiria ao chegar perto da cidade, não chegaria perto de um cemitério indígena). “Não conseguiam imaginar que todos aqueles tornados que haviam atingido outras pessoas poderiam ter se abatido sobre elas. As sirenes tinham virado
"fake news".

Narrador exímio, autor dos best-sellers Moneyball, Flash boys e O projeto desfazer, Lewis disseca no novo livro os principais riscos que atingem seu país e as “tentativas do governo para salvar as pessoas de coisas que podem matá-las”. Não só tornados ou furacões, mas também eventos como gripe aviária, epidemia de opiáceos, mortes no trânsito, acidentes nucleares, terrorismo ou mesmo a fome. Seu relato atravessa os organismos encarregados de lidar com tais questões no Estado americano: os departamentos de Energia, Agricultura e Comércio. Demonstra como, desde a transição, o governo Donald Trump deu de ombros aos riscos, ao conhecimento e aos recursos necessários para preveni-los.

Um funcionário do Departamento de Energia elenca os cinco principais em sua área: acidente com armas nucleares, Coreia do Norte, Irã, rede elétrica e um quinto risco que ele não consegue definir direito. Acaba chamando genericamente de “gestão”. “É o risco que uma sociedade corre quando adota o hábito de sanar riscos de longo prazo com soluções de curto prazo”, diz Lewis. “É a ameaça existencial que jamais imaginamos de verdade como um risco.” A maior dificuldade é a mesma das vítimas do tornado em Joplin: acreditar que o inimaginável pode se tornar real. Tentar evitar o pior exige, portanto, respostas menos óbvias. Longe do clima de indignação raivosa. Longe do sentimento inquisitorial que aponta culpados e busca bodes expiatórios. O melhor que podemos fazer depende da combinação de dois ingredientes que andam em baixa. Primeiro, governo. Só o Estado, representado por funcionários públicos de carreira, independentes de interesses políticos ou financeiros, dispõe de autoridade para recolher dados na escala necessária para avaliar os riscos e impor medidas preventivas a empresas ou cidadãos. Segundo, ciência. É ela que permite interrogar tais dados, estudar as incertezas, medir os riscos e, no limite do conhecimento humano, fazer o possível para mitigá-los.
Helio Gurovitz

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