Um museu atua em três frentes. Oferece um olhar para o passado, ou seja, um parâmetro para medir mudanças, uma escala de tempo. Também educa, no presente, sobre o mundo que nos rodeia, tanto o físico como o das ideias. E, principalmente, cria oportunidades para resolver problemas que ainda não somos capazes nem de imaginar. Ou seja: abre portas para o futuro desconhecido. E esse potencial, como é imprevisível, é sem dúvida a mais tremenda das perdas que sofremos no domingo passado.
Nos séculos XVIII e XIX, ninguém imaginava que a mudança climática causada pelos humanos seria um dos maiores desafios da humanidade no século XXI. No entanto, foram os dados coletados sobre a distribuição em altitude da vegetação entre 1773 e 1858 por Alexander von Humboldt e Aimé Bonpland nas montanhas do Equador − cuidadosamente preservados em coleções científicas − que, em 2015, permitiram que a humanidade entenda o efeito do aquecimento global na distribuição da vegetação. Quem diria aos milhares de paleontologistas que dedicaram suas vidas a coletar e preservar fósseis em todo mundo durante séculos, e aos cidadãos que com seus impostos e doações permitiram que estes cheguem até nossos dias, que esses restos orgânicos mineralizados acabariam sendo a evidência empírica definitiva de um problema que nem sabíamos que poderíamos ter: um evento de extinção em massa de espécies, equiparável em magnitude à dos dinossauros.
Ou, mais perto de casa, o crânio de Homo sapiens conhecido como Luzia esteve 20 anos nas coleções do Museu Nacional até que um pesquisador descobriu sua importância. Conhecer a data da colonização da América não é algo sem importância. Permite, entre outras coisas, entender a capacidade dos humanos de povoar e conquistar um continente.
Fechou-se repentinamente a porta para futuras descobertas desse tipo, que poderiam ter saído do incalculável patrimônio científico do museu. As políticas mesquinhas dos sucessivos Governos − cada um agravando uma situação que já era insustentável − em relação ao patrimônio só podem ser fruto de uma ignorância superlativa combinada com interesses legalmente turvos. Mas, na verdade, isso não está muito distante de outros episódios como a recente anistia aos destruidores da selva, a impunidade diante da catástrofe ambiental no Rio Doce e o abandono de museus e edifícios históricos, que já causou o incêndio que destruiu em 2010 a coleção do Instituto Butantan, que é responsável pela maior parte dos antídotos contra veneno usados no Brasil.
Em um museu de ciências podemos aprender as semelhanças e diferenças entre os humanos e outras espécies de primatas, ou que nosso corpo contém tanta quantidade de microrganismos (principalmente bactérias, sem muitas das quais morreríamos), que eles equivalem em número às nossas próprias células. É o lugar onde nossos filhos podem aprender que o ovo evoluiu milhões de anos antes que a galinha. Onde os descendentes do povo Wari’ podem ir para entender como viviam seus parentes poucas gerações atrás. É onde aprendemos de forma intuitiva nossa insignificância no universo. No domingo, entretanto, aprendemos nossa insignificância no Brasil. Juntamente com o Museu Nacional ardeu muita da nossa memória, nosso presente ficou mutilado e nos roubaram um futuro que agora nunca conheceremos.
Santiago Castroviejo-Fisher, professor de Biologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
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