Temas como o manejo da biodiversidade e a economia das populações tradicionais parecem secundários diante de tantas emergências. Mas já não há como ignorar a sua essencialidade para qualquer projeto de futuro que se pretenda, embora a maioria dos 13 candidatos a Presidência da República pareça não saber disso, ou não concordar.
Não há um censo apurado das populações que vivem nessas áreas ou mantêm relação direta com elas. Estima-se que a soma das populações extrativista (ribeirinhos, caiçaras, seringueiros), quilombola e indígena, em todo o país, possa chegar a 18 milhões de pessoas, incluídas as que vivem em áreas que ainda não foram destinadas pelos poderes públicos. Para viverem nessas áreas, essas populações desenvolveram, secularmente, diversas formas de relação com cada ambiente, acumulando conhecimentos especializados sobre eles, o que é essencial para o desenvolvimento da biotecnologia.
Também não temos referências, senão fragmentárias, sobre a produção agroflorestal oriunda dessas regiões. Mas os indicadores disponíveis mostram uma tendência de crescimento, apesar das dificuldades concorrenciais que boa parte dessa produção enfrenta devido às condições de logística para escoamento e comercialização. Políticas de fomento e de assistência técnica podem multiplicar essa produção e torná-la disponível para consumo em geral. Da mesma forma é inesgotável o potencial nessas regiões para o desenvolvimento do turismo de base comunitária. Além disso, essas populações produzem e consomem mais e melhores alimentos e medicamentos naturais do que a população urbana de baixa renda.
Além da biodiversidade, esses territórios conservam um formidável estoque de carbono (CO2) florestal. Se o desmatamento, o fogo ou o impacto do aquecimento global provocar a liberação do CO2 contido nas florestas, a luta da humanidade para conter as mudanças climáticas poderá fracassar. As florestas são responsáveis pela reprodução e transporte das chuvas amazônicas até as principais cidades e regiões agrícolas do cone sul. A sua conservação não interessa apenas às populações locais, mas a todos.
Não faz sentido separar conservação e produção num contexto de crise climática que se agrava. O desmatamento (não compensado) é um tiro no pé da produção agropecuária. Isso não é retórica, nem teoria: apesar de o Brasil dispor do maior estoque de água doce do mundo, as crises hídricas deixaram de ser um problema nordestino e estão atacando São Paulo, Brasília e outras regiões, ameaçando as condições de vida. Há focos de desertificação em expansão em várias partes do território nacional.
Alguns dos candidatos a presidente apresentam programas de governo que, de formas diferentes, colocam a agenda socioambiental como um dos seus elementos centrais: “Transversalidade”, “Transição Ecológica”, “Eco Socialismo”, “Economia Pós Carbono”, “Sustentabilidade”. Outros, porém, enfatizam, sofregamente, a “retomada do crescimento econômico”, como se houvesse na história recente algum paradigma a retomar, ignorando os imensos desafios desse século, que demandam projetos apropriados de desenvolvimento.
Já no decorrer do próximo mandato presidencial se esgotarão os primeiros prazos para cumprimentos de metas climáticas por parte de cada país. Mesmo tendo obrigações a cumprir, o Brasil vem se afastando das suas metas em anos recentes e precisa se reajustar, para fazer a sua parte e se manter como protagonista decisivo nas negociações internacionais. Também deve se concluir, nesse período, a destinação pelos governos de terras devolutas na Amazônia e em outras regiões do país.
Qualquer presidente eleito, ainda que não saiba ou não entenda a importância estratégica dessas populações, seus territórios e produtos, vai se defrontar com a crise climática e suas consequências. Qualquer estratégia nacional frente a essa crise pode dispor desses recursos como ativos. Ignorando-os, ou encarando-os apenas como passivos, estará sujeito a administrar só uma sucessão interminável de conflitos. Quem não faz, leva!
Márcio Santilli
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