Jamais conversei sobre o tema com o amigo Luís Edgar de Andrade, que teria enviado a notícia de Paris. Muita gente afirma que a frase de De Gaulle jamais foi dita. Vou tomá-la como verdadeira porque esta semana, ao ler “Lições dos mestres”, de George Steiner, creio que posso fazer uma nova leitura da frase.
A França foi humilhada em 1870 e 1871 pela derrota diante dos alemães. E o país se descobriu ávido de “seriedade”. A constatação mais importante: a vitória prussiana não dependeu de superioridade bélica, mas sim de uma escolaridade sistemática, que a colocava à frente em ideias científicas e humanísticas.
O Gymnasium alemão, as universidades depois das reformas de Humboldt, os padrões de qualidade das pesquisas e publicações eruditas deixaram expostos a frivolidade e o amadorismo francês. Alexandre Dumas, em 1873, escreveu: “já não se trata mais de ser espirituoso, leve, libertino, zombeteiro e alegremente inconsequente. A França deve agora haver-se com o ‘muito sério’. Caso contrario, sucumbirá.”
Evidentemente, a França conseguiu dar a volta por cima, na época, modernizando seu ensino. De Gaulle, como conhecedor profundo da história de seu país, possivelmente estaria pensando nessa definição de sério, quando se deparou com as vacilações burocráticas do governo brasileiro.
Mesmo que a frase não tenha sido dita e existam enormes diferenças entre a França do fim do século XIX e o Brasil de hoje, De Gaulle poderia ser reinterpretado na sua definição de país sério.
Não fomos derrotados pelos alemães, mas por nós mesmos. Mas, certamente, o caminho de nos tornarmos um “pais sério” passa pela educação.
Reconheço que a ideia de virar um “pais sério” assusta. Afinal, o Brasil é leve e alegre. Um candidato com esse objetivo estratégico tende a ser mal interpretado.
Há razões para isso. Costumo citar uma frase de Samuel Beckett: não se passa um dia sem que algo seja acrescido ao nosso saber. A Bíblia tem algo parecido no Eclesiastes 1:18: “aquele que aumenta o seu saber, aumenta o seu pesar.”
Mas creio que Beckett chegou à conclusão por conta própria. Como Freud, ao afirmar que civilização entristece porque depende da repressão aos instintos. Mas nada disso significa um elogio à ignorância. No caso brasileiro, o clima e a natureza são fatores que garantem uma dose de leveza e alegria.
Será que os candidatos querem mesmo fazer do Brasil um país sério? Não fomos arrasados por uma guerra, mas a confiança está num nível muito baixo.
Uma grande virada na educação, não apenas humanística, mas científica e tecnológica, pode ser o grande objetivo nacional. Enquanto isso não acontece, passaremos nossos dias sobressaltados com pesquisas eleitorais, tentando adivinhar de que lado virá o desastre.
Certamente, os candidatos falam no tema, têm planos. Mas se colocam como alguém que pretende trabalhar e têm, na ponta da língua, os principais tópicos de seu programa. Eles se apresentam como prestadores de serviço. Raramente, se colocam como líderes que vislumbram uma trilha e propõem conduzir a sociedade por ela.
Pelo menos, fica essa possível sugestão de De Gaulle, que já encontrou a França com o problema educacional resolvido, e a conduziu pelos difíceis caminhos na guerra e depois dela.
No sentido que dou à sua possível frase, não há nenhuma ofensa, nada que possa agitar nossas inquietas redes sociais. É apenas um rumo, direção para o esforço coletivo, uma constatação de que temos diante de nós um problema que pode nos fazer sucumbir, como dizia Dumas.
Apesar da enorme importância da infraestrutura, dos investimentos na saúde e na segurança pública, nada disso nos tira do pântano se não compreendermos que o Brasil precisa se tornar um país sério, reconhecer a educação como a sua grande derrota.
Não faltou quem se lembrasse disso ao longo dos anos. Ouvimos, concordamos, mas, no calor da história, simplesmente deixamos de lado.
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