A esses três princípios, ambientais, econômicos e sociais, une-se um quarto, o cultural, pois a reciclagem do Centro reafirma a ancestralidade comum, os lugares originais e seus símbolos, inspirando para desafios vindouros.
Estes são os valores estratégicos do Porto Maravilha, cujo arcabouço legal é de final de 2009, e cujas primeiras obras, ainda feitas com recursos diretos do Tesouro municipal, foram inauguradas em 2012, como a urbanização das ruas Sacadura Cabral, Venezuela e o Largo São Francisco da Prainha; a restauração do Jardim Suspenso do Valongo, com o acesso ao Morro da Conceição, e o agenciamento urbano do entorno do Cais do Valongo. Ou seja, a transformação da região começou apenas, efetivamente, há cerca de seis anos. Antes, haviam planos.
Por isso, para gerir ao longo do tempo, incrementando qualidades e lidando com adversidades, o Porto Maravilha conta com a gestão territorial dedicada da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região Portuária, a Cdurp. Repito, desenvolvimento urbano, não desenvolvimento imobiliário. O primeiro deve conter o segundo. Nunca o contrário. Neste sentido, errou-se na origem ao não evidenciar ao máximo a política habitacional para a área, que poderia ter destinado 3% do valor das Cepacs para produção habitacional, semelhante do que foi feito para o patrimônio cultural. Gerir implica negociar, e isso é positivo, mas errou-se também ao se dar poder discricionário excessivo à Caixa Econômica Federal sobre os rumos urbanísticos.
Se a Caixa é um stakeholder fundamental para a reabilitação de áreas urbanas centrais por causa da sua missão institucional de fomentar habitação e infraestrutura urbana, ela vem se comportando recentemente como uma criatura pública esquizofrênica. Ora médico, ora monstro.
Como agente financeiro, fomenta a “antitese” do reúso urbano e do retrofit, por meio do opiáceo do Minha Casa Minha Vida, viciando o mercado, a parte socialmente vulnerável dos brasileiros e os políticos num projeto habitacional equivocadíssimo que teremos que trabalhar muito para corrigir nos próximos 30 anos. Não inventou a droga, mas age como traficante ao distribuir e financiar esse tóxico urbanístico no país inteiro. Um modelo consumidor de natureza, catalisador de periferias insolúveis e anabolizante de empreiteiros e políticos medíocres. Pouco ajudou, por exemplo, até hoje, os movimentos de luta pela moradia.
No Porto, faz papel de médico ao incentivar o tratamento para a revitalização, por meio do remédio que são os títulos de potencial construtivo, as Cepacs. É a venda desse papel ao mercado imobiliário que financia as obras e que paga os serviços públicos feitos pela concessionária Porto Novo.
Entretanto, novo impasse entre Caixa e Cdurp ameaça o futuro da área por alegada falta de liquidez do fundo imobiliário que sustenta a operação, por causa da baixa venda de títulos. Ocorre que a Caixa, desde o início, tem optado em não vendê-los, e sim usá-los como meio para converter-se em sócia dos empreendimentos, comprando participação nos ativos. Mirando lucros futuros, sujeita-se às intempéries das depressões econômicas momentâneas. Essa política assustou o mercado desde o começo, receoso em ter que aceitar um banco público como cotista nos negócios, atrasando lançamentos e resultando agora em riscos altos por causa da vacância de prédios. Se não vende Cepacs, não obtém receita. Virando sócia, corre riscos. Perdendo resultado, o fundo vazio corrói o futuro do Porto. Ciclo estéril.
Há conflitos de missão institucional na Caixa. Ou é parceira da sociedade brasileira na inauguração de um modo tipo de urbanidade, como a requalificação do Centro do Rio, inspirando outras cidades, ou é exclusivamente financista, ou é fomentadora do espraiamento urbano por meio do MCMV, onde já foram alocados R$ 340 bilhões, transformando médias construtoras em grandes players imobiliários nacionais.
Não faltam recursos ao Brasil, falta visão urbana que priorize a reconquista do bem público, a cidade histórica, para todos, num ciclo fértil.
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