domingo, 10 de junho de 2018

As lições de Barcelona, Havana e Tianjin para as cidades brasileiras

Ao bloquear carregamentos nas estradas e impedir o reabastecimento de postos, a recente greve dos caminhoneiros deixou várias cidades brasileiras à beira do colapso. Em muitas delas, serviços de ônibus e de coleta de lixo foram reduzidos, mercados ficaram com prateleiras vazias e hospitais cancelaram cirurgias.

Os efeitos da greve poderiam ter sido menores caso as cidades brasileiras seguissem políticas adotadas por Barcelona, Havana e Tianjin – três metrópoles que, por razões distintas, buscaram ampliar a autossuficiência e reduzir a dependência de combustíveis fósseis.

Entre as iniciativas desenvolvidas estão hortas urbanas em áreas ociosas, redes de trocas de objetos, fábricas comunitárias e túneis subterrâneos para coleta de lixo.

Barcelona

Em 2011, a segunda cidade mais populosa da Espanha, com 1,6 milhão de habitantes, iniciou um plano para se tornar em 50 anos "uma cidade autossuficiente e produtiva formada por bairros com escala humana, dentro de uma metrópole hiperconectada e com zero emissões (de gases causadores do efeito estufa)".

Arquiteto-chefe do programa até 2015, o urbanista Vicente Guallart diz que em cada vizinhança os moradores estão sendo convidados a ocupar prédios e espaços públicos com hortas e centros comunitários.

'Super-ilhas' desestimularam o uso de automóveis em
 Barcelona e ampliaram espaços públicos
Cada distrito também deverá ganhar uma estrutura que servirá como centro de pesquisa, educação e produção. Segundo Guallart, os centros vão operar com tecnologia aberta, elaborando protótipos para uso na arquitetura, construção e design industrial. A ideia é que os próprios centros sejam capazes de fabricar os itens projetados e ajudem a saciar as necessidades da cidade.

"Acabou a era em que objetos com design de Barcelona eram fabricados na China. Precisamos trazer as fábricas de volta e tornar nossa cidade produtiva", ele afirmou durante uma palestra recente.

Barcelona também está estimulando a criação de redes de trocas entre os moradores, gerenciadas por aplicativos online. "Há centenas de coisas nas nossas casas que não usamos. O mundo digital nos permite interagir não só com quem está na Índia, mas com as pessoas que moram na nossa frente."

Guallart diz ainda que, para ampliar as áreas públicas da cidade, reduzir a poluição e encorajar o uso do transporte coletivo, 25% das superfícies destinadas aos carros serão eliminadas, dando lugar a parques, palcos para eventos culturais e quadras esportivas. Automóveis só poderão circular pelas vias principais.

A política, batizada de "superilha", já foi adotada em umconjunto de nove quarteirões, e até o fim deste ano outras cinco devem ser concluídas. No futuro, a iniciativa se estenderá por toda a cidade.

Havana

O colapso da União Soviética nos anos 1990 fez com que Cuba deixasse de receber petróleo e alimentos de sua principal parceira, mergulhando numa grave crise econômica conhecida como Período Especial.

Sem combustível para o transporte, o governo cubano importou mais de um milhão de bicicletas chinesas e as distribuiu para a população. Mais complicado era levar comida às mesas das famílias, com tratores e caminhões encalhados e fertilizantes em falta nos mercados.

Segundo a FAO, 90 mil moradores
 de Havana se dedicam à agricultura
Enquanto no campo o tradicional cultivo de cana-de-açúcar e a criação de rebanhos se tornavam quase inviáveis, levando muitos cubanos a virar quase vegetarianos na prática, o governo incentivou a produção de alimentos em áreas ociosas das cidades.

Em Havana, que abrigava um quinto da população cubana, técnicos australianos foram contratados para ensinar métodos de permacultura – sistema que busca ampliar a produção com o uso inteligente do espaço e de padrões naturais.

Cooperativas foram criadas para recolher o material orgânico gerado na cidade, transformá-lo em adubo e redistribuí-lo aos agricultores.

Segundo Paulo Rogério Lopes, pesquisador da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), esses grupos também ajudaram a sanar problemas sanitários, como a contaminação de lençóis freáticos pelo lixo.

Surgiram ainda centros responsáveis pela criação e distribuição de agentes naturais de controle de pragas. "Essas iniciativas permitiram a eliminação do uso dos agrotóxicos e das adubações químicas, contribuindo assim para a produção de alimentos saudáveis à população", diz Lopes em artigo na revista Agriculturas, de 2012.

Segundo a FAO, agência da ONU para agricultura e segurança alimentar, Havana é hoje a cidade "mais verde" da América Latina e do Caribe.

O órgão diz que 90 mil moradores da capital cubana se dedicam a alguma forma de agricultura, cultivando hortas domésticas ou trabalhando em fazendas e granjas comerciais na cidade. Na maioria delas, os alimentos são vendidos no próprio local.

Em 2013, um estudo liderado pelo médico Manuel Franco, professor da Universidade Johns Hopkins (EUA), revelou que as mudanças de hábitos alimentares e de atividade física durante o Período Especial fizeram cair as mortes por diabetes e doenças cardiovasculares em Cuba.

Por outro lado, houve um aumento nos casos de mortalidade materno-infantil e de neurite óptica, doença causada pela falta de vitaminas do complexo B.

Após a ascensão de Hugo Chávez na Venezuela, em 1999, Cuba voltou a ter uma fonte de petróleo barato, e algumas políticas adotadas no Período Especial foram flexibilizadas. Desde então, segundo Franco, os índices de diabetes voltaram a subir.

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