quinta-feira, 29 de março de 2018

De onde menos se espera

O Barão de Itararé, como jocosamente o jornalista e humorista político Apparício Torelly (1895-1971) se autointitulava, dizia que, “de onde menos se espera, daí que não sai nada”. Apesar de seu cunho anedótico —ou porque nós, brasileiros, escondemos nossa desesperança sob o manto da ironia e do gracejo—, essa frase resume bem o enredo da pantomima que nossa Justiça criminal oferece aos brasileiros.

Triplex Lula STF
Esse teatro de absurdos se repetiu no plenário do STF no último dia 22, pois, mesmo com a solenidade do cenário, os monólogos grandiosos de alguns de seus atores não mais fascinavam a plateia, muito mais atenta às consequências nefastas da decisão do que à erudição dos votos. Nem mesmo o seu intérprete mais experiente, o decano Celso de Mello, soava verdadeiro. Talvez acostumado a outra espécie de interpretação, plena sempre de lições morais, o mais antigo membro do tribunal se mostrava desconfortável com a obviedade do papel que se obrigou a assumir.

Como crer que ele nada tinha a ver com toda a encenação? De que se tratava de apenas mais um habeas corpus, quando fora ele próprio que colocou a presidente do Supremo perante o dilema de abrir ela mesma as cortinas do HC do condenado Luiz Inácio Lula da Silva, ou de se ver pela primeira vez na história do STF obrigada a pautar uma medida por uma questão de ordem dos demais ministros?

Como acreditar, em uma opinião sem convicção, que não se podia punir o paciente —nesse caso mais para impaciente, pela demora da Justiça— quando esse HC passou à frente de 5.000 outros? Como fazer crer que fazia o correto, quando evidente que desejava somente impedir que a Justiça criminal se tornasse verdadeiramente republicana com a pura e simples aplicação do precedente e a prisão de Lula?

Mas não apenas o seu discurso soava suspeito, mas o de todos que o acompanhavam, especialmente quando outros atores daquele plenário, mais conscientes do seu papel histórico, deixavam clara a inconsistência da retórica falsamente voltada a todos os pobres condenados deste Brasil. Tratava-se, na realidade, apenas de um pot-pourri —no sentido literal dessa expressão, “panela de carnes podres”— de colocações sem sentido que visavam apenas a resolver o problema prisional do ex-presidente.

Ao final, incapazes de levar a representação ao seu clímax, decidiram estender a ilusão de Justiça em uma novela que mantém todos nós, espectadores, presos na plateia até o seu capítulo derradeiro, não por sua excelência, mas porque não podemos abandonar este grande circo que se tornou o Brasil.

Não faltaram pretensos gestos teatrais, cômicos, não fossem trágicos, como o brandir de um cartão de check-in, como se a presença daquele julgador fosse imprescindível à decisão, para justificar o fim da discussão e a concessão de um salvo-conduto temporário para Lula.

Dessa história, contudo, sabemos o final. A trama não ilude ninguém. Ainda vão decidir o mérito, dizem os espectadores mais esperançosos com o próximo capítulo. Ainda há fé na redenção para alguns personagens, pensam. Mas, de onde menos se espera, nenhuma surpresa acontecerá. Apresentam-nos um drama em que o formalismo e o fausto das vestes não escondem um final previsível e bem ensaiado.

Entretanto, tão desacostumados à crítica verdadeira, têm eles esperança de ouvirem ao final elogios por sua atuação. “O doutor foi magnífico quando impediu que houvesse baderna em nossas ruas”, ou “Como aceitar que criminalizem a política desse jeito”, lhes dirá uma reduzida claque contratada por honorários astronômicos.

Estamos diante apenas de mais uma encenação, como a do clássico “A Revolução dos Bichos” de George Orwell. Se não deixarmos clara nossa indignação, ouviremos como a última fala do porco triunfante: “Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que outros”. Não foi esse teatro de justiça que nossa Constituição prometeu. Será que podemos pedir nosso ingresso de volta?

Carlos Fernando dos Santos Lima

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