Sim, o problema é sério. Mas, o populismo e o sensacionalismo em momentos como este são péssimos conselheiros. O maior risco que o país corre é que a medida não seja apenas ousada, que seja, sobretudo, impensada. Feita como simples reação às cenas da televisão, um truque eleitoral, com efeito de curtíssimo prazo. Os efeitos podem ser desastrosos.
O primeiro desses riscos é o do fracasso; simplesmente não resolver o problema e ainda consumir vidas e recursos num processo sem efeito prático. Junto com a desesperança, o pavor pode aumentar levando à população ao salve-se quem puder.
O segundo risco, seria gerar uma reação contrária das polícias. Sabe-se que, infelizmente, elas são, em grande medida, parte do problema. Nem todo policial é corrupto, mas é notório que a corrupção viceja em parcelas da corporação. Em momento assim, é sempre possível que ''os esquemas'' reajam boicotando a intervenção. Qual o plano que o governo federal possui para evitar isso?
O terceiro risco — e não menos problemático — será libertar da garrafa o gênio da truculência, da violência e do Estado policial. Em busca de mais autoridade e força, o país derivar para o autoritarismo de soluções fáceis que sempre supõem que o Exército nas ruas é solução para todos os males. Não é. Ficaria aí, além do risco para a Segurança, também o risco para a liberdade.
Nessa altura, o leitor apreensivo e nervoso já deve se perguntar ''o que esse babaca sugere, então, fazer?'' Como dar conta da questão da violência urbana, que é real e urgente? Tem razão. Mas, nada é muito simples e menos ainda de efeito imediato.
Ora, se de fato ''o crime organizado quase tomou conta do Rio de Janeiro'', como afirmou Michel Temer, a pergunta que se faz gira em torno de quais serão os meios, afinal, com que o presidente pretende desbaratá-lo.
Crime organizado se combate com inteligência e estratégia, não exatamente com tropas militares — ou apenas tropas militares. Requer identificar os grupos de criminosos, asfixiá-los financeira e operacionalmente; capturar seus líderes, ocupar o espaço territorial transmitindo segurança e assistência à população carente. Criar instrumentos de controle e policiamento sistemático para que o crime não recrudesça à frente.
A questão da bandidagem mais simples, que ocupa praias e avenidas barbarizando os cidadãos, deve ser enfrentada com policiamento ostensivo e ocupação de seus territórios. Ainda que o auxílio de tropas federais possa ser necessário, usar o Exército com seus tanques pode corresponder a algo como caçar passarinho com bala de canhão: é tão destruidor quanto inútil.
Para o caso das polícias, a intervenção deve ser de outra ordem. Primeiro, trocando comandos, quando for o caso. Depois, resolvendo os problemas de salários e prêmios atrasados. Investimentos pesados em recrutamento, seleção, equipamento e novas tecnologias. Uma nova academia, com nova concepção de polícia. Nada simples, é claro.
Em paralelo, enfrentar o sempre evitado do controle das fronteiras. Se esses grupos se valem de drogas e armas pesadas, esse material não brota do chão. Isto tudo vem de fora. Tratam-se, antes de tudo, de crimes federais cuja responsabilidade cabe mesmo ao governo federal. E o que diz Michel Temer a respeito disto?
Além disto, há o problema dos outros estados. Infelizmente, a questão da insegurança público não é exclusividade do Rio de Janeiro, como já disse. Vários estados estão à mingua, com enormes dificuldades de honrar folhas de pagamento — quanto mais de remunerar adequadamente o trabalho policial. Culpa de quem, nessa altura do campeonato, nem interessa mais. É preciso resolver.
Qual a política para os demais estados?
Nesse sentido, um projeto para reforma das policias militar e civil deveria ser seriamente discutido. Mesmo ao custo de contrariar os interesses da chamada ''bancada da bala''. O que o governo que acabou de decretar a intervenção num estado da União pensa a respeito disto?
Pura e simplesmente criar mais um ministério — o Ministério da Segurança — sem que estas questões estejam claras e encaminhadas pode até contentar o senso comum e os que estão em pânico, mas dificilmente resolverá a questão. Notícias da manhã desta segunda-feira informavam que o presidente da República se reuniria com seus marqueteiros para tratar do tema. Seriam eles os conselheiros mais adequados?
Não é impossível que o governo Temer possua de fato respostas para todas estas questões. E para muitas outras. Há, no Brasil, sobretudo, no Rio, uma considerável quantidade de especialistas, de elevada qualidade, que estuda seriamente e há décadas esta questão — o que não é meu caso. Gente que não nasceu ontem e que já demonstrou que a solução do problema requer algo muito mais complexo e de longo prazo do que um general no comando da Secretaria, por mais respeitável que seja.
É possível que o governo tenha respostas para esses também. Possível, mas duvidoso, pois nada disso veio a público com o anúncio ou com a repercussão a respeito da intervenção federal. O que se viu foi um presidente, sem popularidade, pegando carona numa questão popular. Expressando-se num discurso rápido e fácil. Pleno de clichês e chavões. No entanto, o país precisa saber de Michel Temer qual, afinal, é o seu plano.
Carlos Melo
Nenhum comentário:
Postar um comentário