sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Corrupção sancionada

Há um debate em curso sobre o que mais prejudica o Brasil: a chamada grande corrupção, como temos visto nos esquemas milionários detectados pela Lava-Jato, ou a pequena corrupção, que envolve desvios do dia a dia como pagar propina para se livrar de infrações de trânsito ou subornar alguém para furar uma fila. Infelizmente, o problema é ainda mais profundo. Existe também a corrupção sancionada: aquela que as pessoas não percebem que cometem porque é prevista e até mesmo incentivada pelas práticas usuais das empresas ou setores em que trabalham. Imagine a seguinte situação. Um funcionário é contratado por um banco para vender pacotes de investimento. Querendo engrossar as aplicações em determinado fundo lucrativo, o banco então submete o funcionário a metas agressivas atreladas a quanto ele conseguir captar para esse fundo. Não bater as metas pode significar menor remuneração variável e até mesmo o desligamento da função. Temendo consequências negativas ao seu emprego e salário, o funcionário tenta empurrar aos seus clientes o fundo sugerido pelo banco, sem se preocupar em oferecer outras opções de investimento ou explicar os prós e os contras da aplicação sugerida.


Casos similares espalham-se pelos mais diversos contextos e setores. Uma empresa de telefonia instrui os seus vendedores a recomendar ao cliente um amplo e caro pacote de serviços, mas eles deixam de esclarecer adequadamente o que está incluído no pacote e fazem o cliente perder-se no meio de longuíssimos contratos com cláusulas obscuras. Um médico receita ao seu paciente remédio de determinada marca e recomenda a compra em uma farmácia “parceira”. Um mecânico sugere ao cliente a troca de diversas peças do veículo e serviços supérfluos, falhando em indicar o que é realmente necessário.

No cerne desse problema, há dois principais motivos. O primeiro já apareceu no exemplo do banco: as empresas, na ânsia de inflar o seu lucro, definem metas muito agressivas, sem atentar para o comportamento ético do funcionário. Na direção correta, algumas empresas têm abolido comissões indiscriminadas, deliberadamente aceitando uma possível queda de vendas em troca de maior qualidade de serviço e reputação a longo prazo. O segundo motivo é um pouco mais velado e resulta de uma cultura corporativa que torna esses comportamentos legítimos para o bem maior da organização ou de outras causas “nobres”. Um estudo experimental recente de John List e Fatemeh Momeni, da Universidade de Chicago, verificou que pessoas incitadas a fazer doações filantrópicas em nome de uma organização acabam se tornando mais propensas a desviar sua conduta em outras atividades. Na interpretação dos autores, o gesto benevolente confere uma espécie de “licença moral” para praticar desvios em outros contextos. A solução, nesse caso, é explicitar padrões aceitáveis de comportamento e deixar claro que não existe desculpa para a má conduta. Se reclamamos da corrupção em Brasília, o primeiro passo é nos perguntarmos se, envolvidos em rotineiros e (erroneamente) sancionados atos, também não fazemos parte do problema.

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