terça-feira, 15 de agosto de 2017

Tudo começa por acabar com a mentira

“Eleitor”, ao lado de “Brasil”, é a palavra que menos se ouve no reality showteratológico de Brasília com suas câmeras abertas e seus gravadores ocultos porque o eleitorado brasileiro está preso num cercadinho. Não precisa ser capturado.

Voto distrital puro mata de uma só vez e para sempre a proliferação de falsos partidos, barateia a eleição a ponto de dispensar JBS’s, não requer o uso de mídias de alcance nacional e amarra cada representante eleito ao seu representado. Eleições primárias diretas e “recall” fazem dos eleitores os únicos “caciques” que precisam ser temidos. Iniciativa e referendo garantem que o jogo será jogado de ponta a ponta a favor da plateia.

Mas como partimos sempre da premissa de que o povo é o problema e o estado é que é a solução, o avesso da democracia, colocamo-nos mais longe dela a cada vez que, em geral sob altas doses de indignação, o mais potente anestésico da racionalidade, engolimos mais uma das “jabuticabas” que nos atiram com a promessa de que, esta sim, vai impedir a manifestação dos efeitos obrigatórios das velhas distorções que nos recusamos a eliminar.


Para “anular o poder econômico” perdoamos os joesleys e entregamos ao estado, que não é senão os próprios indivíduos que se pretende controlar, a prerrogativa de nos dizer quanto querem gastar do nosso dinheiro e com quem para embalar suas mentiras na TV, e deixamos que mandato ganho com elas torne-se propriedade particular do mentiroso. Trocamos a decisão soberana de contribuir ou não com partidos se e quando quisermos pelo “fundo partidário” mais as “cláusulas de barreira” enquanto sonhamos com parlamentarismo ou com sofisticações germânicas. Aceitamos que os políticos decidam candidaturas só entre eles enquanto fechamos o financiamento privado, e ficamos com a “escolha” entre a cruz do “distritão” e a caldeirinha do voto em lista. Trocamos o “oligopólio da mídia” (em plena era da internet!) pela censura que, nortecoreanamente, dita que só os candidatos “deles” podem falar de si mesmos sendo o povo obrigado a ouvi-los sem contraditório.

Recusamo-nos, enfim, ao uso do mais essencial dos desinfetantes da farmacopeia democrática – “Poder para o Povo” – e por isso vivemos no limiar da septicemia política e institucional. Mas não desistimos nunca de pedir “soluções” a quem deveríamos estar impondo as nossas próprias.

É isso que garante que não haverá nada de novo em que votar em 2018, uma eleição que, para o bem ou para o mal, será a última de uma era pois, neste mundo vaso-comunicante não ha mais como fechar fronteiras nacionais e resolver tudo com emissão de moeda falsa e inflação e isso mata o modelo populista. Nem para o funcionalismo de verdade sobra mais. O estado não cabe mais na nação e ou ela se impõe a ele instituindo a igualdade de direitos e deveres e podando radicalmente a gordura mórbida ou ele se imporá a ela pela violência. Não fazer nada ou tapear com meias-medidas é quanto basta para que os serviços essenciais, já pra lá de periclitantes, entrem definitivamente em colapso e o caos transforme o Brasil num imenso Rio de Janeiro a caminho da Venezuela.

A clara consciência de que assim é, no mundinho fechado de Brasilia, é que explica a virulência da “campanha de 2018” que vimos assistindo ha mais de três anos. O país ficou pequeno demais para abrigar a “privilegiatura” e a democracia ao mesmo tempo. Um dos dois terá de morrer e eles são os primeiros a saber disso.

Sair dessa rota de desastre vai exigir romper o pacto da mentira que sustenta o modelo brasileiro. Tudo que se tem passado, dos atos às “narrativas” da guerra de imundices a que temos assistido, respeitadas as exceções que fazem a regra, está referido à disputa para ver quem se vai apropriar de quanto do que é nosso sem fazer força. E isso precisa passar a ser dito e repetido diariamente e com todas as letras.

O Brasil já sabe de tudo. Só falta quem se disponha a fazer-se seguir por ele. Mas não se vai tirar o povo da apatia com que expressa seu repúdio à continuação da tapeação com eufemismos. É preciso apontar onde e com quem está o que falta na conta. A roubalheira por fora da lei aqui é a maior do mundo mas é um nada. Os ésleys e odebrechts não merecem qualquer migalha de perdão mas o que pesam é troco. O que arrebenta este país é a roubalheira por dentro da lei. A roubalheira automatizada pela lei.

O fundo partidário foi triplicado de 2014 para 2015. Está em R$ 819 milhões. Agora querem R$ 3,6 bi. Seriam 12 vezes o valor de 2014! Merreca se considerado que o que se compra com ele é o poder de ditar, pelos próximos quatro anos, quem fica com quanto do que mais se arrancar de nós, e que cada um desses novos “direitos adquiridos” é um caminho sem volta.

Não dá mais!

Os jatos, os carros, as casas, os empregados, os seguros-saude, as assessorias, os salários turbinados, os “auxílios” de arrombar teto, os “reajustes” leoninos sem inflação, as aposentadorias integrais na flor da idade, tudo isso tem não só de acabar mas de regredir ao limite do sustentável. Um único marajá-mirim, de apenas R$ 50 mil, aposentado por 40 anos ou 480 meses custa R$ 24 milhões a valor presente. Quantos empresários de sucesso conseguem fazer isso sustentando empregos uma vida inteira? Uma aposentadoria média do INSS, de R$ 1600, levaria 15 mil meses (1250 anos) para acumular esse valor.

Nunca tão poucos deveram tanto a tantos. Não ha que reinventar a roda. Só existe uma cura para isso. O povo elegendo e deselegendo, escolhendo suas leis, contratando e demitindo, definindo quem ganha quanto e até quando, livre para mudar e mudar de novo quantas vezes for preciso e na hora que for preciso até acertar. Não ha exército que conserte o que está aí, sobretudo se mantida nossa justiça a mais cara e a mais leniente com o crime do mundo. Este país só se salva enriquecendo. E só começará a deixar de empobrecer se e quando trocar o privilégio pelo mérito também “lá dentro”, exatamente como já é aqui fora.

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