Os times ficaram cercados pelos torcedores no meio do gramado. Apolícia controlou a situação dentro de campo, mas a briga se estendeu para fora do estádio, onde um torcedor morreu alvejado no peito por um policial militar.
O objeto da revolta vascaína não era a torcida do Flamengo, mas sim Eurico Miranda e a diretoria do próprio time.
São muitas as semelhanças entre a torcida do Vasco e a torcida dos outros grandes times brasileiros. Todas elas são compostas, em sua maioria, por pessoas que vivem em ambientes urbanos violentos, são maltratadas nas filas do INSS, forçadas a matricular seus filhos em escolas públicas sucateadas, pagam impostos sem contrapartida e vivem em um país administrado por uma classe política corrupta.
Não é de se espantar, portanto, que parte destas torcidas tenha propensão à violência quando os seus desejos (no caso, a vitória) não se materializam. Afinal, pancadarias assim ocorrem até nos estádios da Europa, onde as pessoas têm menos motivos para se revoltar.
O que espanta, isto sim, é a tolerância que o brasileiro tem, torcidas organizadas inclusive, para com a classe política, que usurpa de todos muito mais do que três pontos de uma vitória no futebol.
É claro que não estou sugerindo que manifestemos nossa frustração de forma violenta. Mas, tolerância sem limites também não ajuda. Como disse o dramaturgo irlandês George Bernard Shaw, “o homem razoável se adapta ao mundo, o homem não razoável tenta adaptar o mundo a si mesmo. Todo o progresso depende do homem não razoável”.
O brasileiro está sendo razoável demais.
Entre a violência das organizadas ea tolerância infinita com a corrupção, existe espaço para manifestações coletivas pacíficas.
Se estivéssemos acampados em frente ao TSE, Gilmar Mendes não teria rasgado a Constituição. Se tivéssemos gritado “Fora, Temer” quando a gravação de Joesley apareceu, um sujeito desprovido de ética não seria presidente da República.
Tanto as manifestações populares quanto a violência das torcidas não têm explicações simples. Mas há consenso antropológico em torno da ideia de que ambas estão ligadas à canalização de um instinto que herdamos do processo evolutivo: o instinto tribal. Temos uma propensão inata para defender a nossa tribo, seja ela rubro-negra, cruzmaltina ou verde-amarela.
Há ainda consenso de que este instinto se manifesta nas sociedades industriais por meio de afinidades simbólicas e conceituais. Cooperamos quando temos as mesmas crenças e valores, quando defendemos as mesmas cores e reverenciamos os mesmos líderes, para o bem ou para o mal.
Não é à toa que manifestações populares são sempre perigosas e muitas vezes descambam para a violência.
O instinto que motiva as organizadas a agirem de forma violenta é o mesmo que motiva o cidadão a sair às ruas e protestar coletivamente contra governos espúrios.
A questão não é a existência deste instinto, mas, sim, quando e como ele se manifesta.
Por que será que no Brasil de hoje temos brigas de torcida e não passeatas de caráter cívico? Será que não temos mais afinidades simbólicas e conceituais capazes de nos unir contra aqueles que nos exploraram?
De fato, perdemos muito em nossa história recente. Não temos mais lideranças políticas capazes de aglutinar pessoas. Os políticos que poderiam liderar o país, como fez Lula durante o “Fora, Collor”, foram reconhecidos pelo que são: chefes de quadrilha.
A classe política caiu em descrédito.
Além disso, a maioria dos nossos formadores de opinião, tanto na mídia quanto nas universidades, atribuiu à Lava-Jato um viés ideológico que ela não tinha, alegando que a corrupção da esquerda era invenção da direita.
Agora que a Lava-Jato chegou a Temer e Aécio, estão quietos porque apoiar a operação seria o mesmo que reconhecer o erro crasso que cometeram.
E, finalmente, há descrença ideológica generalizada. A esquerda brasileira sucumbiu porque se abraçou a Lula, e a direita nunca foi flor que se cheire.
Neste contexto, é difícil que as manifestações populares aconteçam. Mas não é impossível. São inúmeros os exemplos de manifestações que surgiram espontaneamente a partir da luta por valores éticos, econômicos e morais comuns a um dado grupo social.
Tenho a impressão de que, no longo prazo, o destino dos brasileiros vai depender da sua capacidade de união em tornos de valores deste tipo.
Michel Temer, Aécio Neves, Gilmar Mendes e Luiz Inácio da Silva são tão repugnantes quanto Eurico Miranda.
Espero que os brasileiros se deem conta disso e saiam às ruas o quanto antes. De forma pacífica, claro.
Se continuarmos apáticos, o mecanismo vai ganhar essa guerra.
José Padilha
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