Isso ficou claro em todas as tentativas (ainda não esgotadas) de mudar a legislação para deter a Lava Jato e blindar os políticos.
Esta semana, o Conselho de Ética do Senado optou, “em nome da pacificação da Casa” (foi o que a maioria alegou), por arquivar o processo por quebra de decoro das cinco senadoras do PT e PCdoB que, há duas semanas, ocuparam a mesa diretora para impedir fisicamente a votação da reforma trabalhista.
A reforma política é mais um desses momentos corporativos. Dois tópicos a resumem: o chamado voto distritão e o financiamento público de campanha, que importará num desembolso de nada menos que R$ 3 bilhões e 600 milhões dos cofres públicos.
Não se elegem os individualmente mais votados, mas as coligações. Feita a totalização dos votos, verificam-se quantas cadeiras cada coligação terá – e os mais votados ali dentro (ainda que escassamente votados) irão ocupá-las.
Isso permite que uma coligação encabeçada, por exemplo, por uma celebridade da TV ou do futebol, como Tiririca ou Romário, obtenha tal soma de votos excedentes que possibilite beneficiar candidatos que de outra forma jamais seriam eleitos – e, inversamente, exclua os que, ainda que bem votados, integrem uma coligação de menor glamour.
Isso fez com que, na atual Câmara dos Deputados, apenas 107 dos 513 titulares – um quinto do total - tenham sido efetivamente eleitos. Pegaram carona nos puxadores de votos. São deputados biônicos, beneficiários de votos terceirizados.
Claro que isso precisa mudar. E o diagnóstico da mudança ideal já estava posto há muito tempo: o voto distrital, que poderia ser puro (o ideal) ou misto, que reservaria parcela dos candidatos ao sistema proporcional. No distrital puro, pega-se, por exemplo, um estado como São Paulo, que tem direito a 70 cadeiras na Câmara, e divide-se em 70 distritos. Cada distrito elegerá um representante.
Não há espaço para biônicos ou arrivistas. Cada distrito conhece o seu representante, sabe onde encontrá-lo e pode rastrear sua atuação. No sistema atual, bem poucos se lembram em quem votaram. O resultado é o que vemos. Ninguém presta contas de coisa alguma; nem o eleito, nem o eleitor se conhecem.
O distritão beneficiará os candidatos mais conhecidos, os caciques, com domínio da máquina partidária e dos fundos do partido para financiar a campanha. Reduz, assim, o horizonte de renovação.
Em síntese, contraria o anseio da sociedade por mudança radical no perfil de sua representação, além de enfraquecer ainda mais a consistência doutrinária dos partidos, já de si uma ficção.
Quanto ao financiamento público, repete a velha mentalidade estatal brasileira: se falta dinheiro, tunga-se o contribuinte.
O sindicalismo brasileiro, por exemplo, beneficiou-se do imposto sindical e entrou em crise ao vê-lo suprimido pela reforma trabalhista. Nem cogita de vir a ser sustentado por seus filiados, que só o seriam na medida em que lhe fossem prestados bons serviços.
O governo Temer, diante do rombo orçamentário, não teve dúvidas: em vez de cortar despesas, aumentou os impostos da gasolina, ensaiou um aumento do imposto de renda e não exclui novas investidas. Reduzir o tamanho do Estado? Nem pensar.
O que justifica que o Rio de Janeiro, que deixou de ser capital da República há 57 anos, tenha mais funcionários públicos federais que Brasília? Pois tem: 250 mil contra 175 mil.
Ao proibir o financiamento empresarial às campanhas, o STF expôs a ficção do sistema partidário: sem raízes na sociedade, quem irá espontaneamente financiar 35 legendas, que se igualam em conteúdo e metas – e cuja conduta a Lava Jato vem mostrando?
Não havendo adesão espontânea, apela-se para a impositiva: o aumento do fundo partidário. Gostando ou não, crendo ou não nos partidos e na legitimidade das regras do jogo, o eleitor-contribuinte está sendo instado mais uma vez a financiá-los.
Nenhum comentário:
Postar um comentário