Eu continuo sem saber se o tríplex no Guarujá (SP) pertence ou não a Lula – o juiz Sérgio Moro não apresentou, em sua condenação, nenhuma prova concreta contra o ex-presidente. Todo o texto é um arrazoado de ilações e conjecturas, deixando explícita que sua opinião estava formada desde muito antes do início do processo. Aliás, ocorre com Lula o mesmo que com a ex-presidente Dilma Rousseff – seu impeachment, embora legal, não passou de uma farsa para afastá-la do cargo. Tanto é verdade que, em ambos os casos, cometeram-se “licenças jurídicas”. Dilma foi declarada culpada por crime de responsabilidade, mas não perdeu seus direitos políticos; Lula é acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, mas não foi preso, para “evitar certos traumas”, segundo Moro.
O PT vem, ao longo de sua história, portando-se como alguém que à medida em que caminha vai apagando seus rastros. Já não resta, no partido de hoje, quase nada de seus compromissos originais. Com alianças espúrias, aceitou prostituir-se – nomes como Edison Lobão, Eunício Oliveira, Geddel Vieira Lima, Romero Jucá, Eliseu Padilha e Moreira Franco, entre muitos outros, figuraram no rol de ministros de Lula e de Dilma. Mais do que isso: para perpetuar-se no poder, acatou as regras da corrupção - os condenados e presos José Dirceu e João Vaccari Neto, ao invés de motivo de vergonha, são aclamados, pelo partido, como “heróis do povo brasileiro”.
Além de deixar-se contaminar pela escória da política brasileira, o PT destruiu a base das organizações populares, instrumentalizando-as por meio do oferecimento de cargos e sinecuras em repartições públicas – ironicamente, esvaziando os movimentos que poderiam sair às ruas para defendê-lo. Hoje, para proteger-se, o partido usa das armas de seus mais desprezíveis adversários: o escárnio. Sem qualquer constrangimento, o deputado Vicente Cândido (PT-SP) apresentou a “solução para blindar Lula”: uma emenda à reforma política, da qual é relator, que proíbe a prisão de candidatos até oito meses antes das eleições...
Entretanto, independentemente de acreditarmos ou não na inocência de Lula, é inadmissível, para qualquer pessoa comprometida com a defesa da democracia, compactuar com a investida truculenta que vem sendo feita contra o PT. Depois de afastar Dilma Rousseff da Presidência da República, baseados num processo que até hoje, confesso minha ignorância, não sei do que se trata, agora tentam impedir que Lula dispute as eleições no ano que vem. Assim como Dilma governava pessimamente o país, Lula de forma arrogante finge não ter qualquer responsabilidade pela institucionalização da corrupção havida em seu governo – mas nem uma coisa nem outra justificam os ataques ao partido, sob pena de atropelarmos o Estado de Direito.
O presidente não eleito, Michel Temer, que conspirou abertamente para derrubar Dilma Rousseff, permanece firme, apesar dos indícios de corrupção existentes contra ele. Temer assumiu o cargo, com apoio do PSDB de Fernando Henrique Cardoso, com a clara missão de desmontar, uma a uma, as poucas conquistas sociais ocorridas ao longo do governo Lula. Devemos terminar o ano de 2017 com um crescimento do Produto Interno Bruto de ridículos 0,4%. A taxa de desemprego está em 13,6%, sendo que, entre os jovens, salta para 28,7% - ou seja, um em cada quatro jovens encontra-se sem trabalho. Segundo reportagem de O Globo, relatório elaborado por um grupo de mais de 40 entidades civis que monitoram o cumprimento de um plano de ação com objetivos de desenvolvimento sustentável acordado entre os Estados-membros da ONU, a chamada Agenda 2030, o Brasil está prestes a retornar ao mapa mundial da fome, por conta da crise econômica. E as reformas autoritárias promovidas por Temer, e aprovadas por um Congresso Nacional que tem a maioria de seus membros envolvidos em denúncias de corrupção, fazem-nos retroceder mais de um século no tempo.
Comecei usando as palavras da senadora Ana Amélia como exemplo de cinismo, porque, ao contrário do que ela declarou, o Brasil continua, sim, um país desigual sob todos os pontos de vista. São os “pobres e negros” que mais se ressentem com o desemprego; são os “pobres e negros” que mais penam com a violência urbana; são os “pobres e negros” que mais sofrerão com o desmantelamento do arcabouço jurídico trabalhista; são os “pobres e negros” que mais amargam com o descaso com a educação e com a saúde; são os “pobres e negros”, enfim, que continuarão a ser punidos por serem “pobres e negros”, e que tiveram, sob o governo Lula, um único lampejo de esperança de transformação, desfeita pelo golpe perpetrado pelos poderosos que Ana Amélia representa, e que para manter seus privilégios comemoram a condenação de Lula de um lado, e a sobrevida de Temer de outro. Infelizmente, boa parte desse desastre deve-se ao próprio PT, que um dia havia prometido lutar por um país mais digno e acabou atirando-se à lama para chafurdar nela junto com seus antigos inimigos.
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