A verdade é que, quase 30 anos depois da famosa declaração de Mário Covas, na campanha de 1989, acerca da necessidade de termos um “choque de capitalismo”, continuamos com uma mentalidade nacional digna dos anos 50, em pleno furor desenvolvimentista forjado na base de incessantes fluxos de recursos públicos, através das mais variadas formas (Orçamento, estímulos creditícios, mecanismos inflacionários diversos etc.). A frase atribuída a um ex-presidente mexicano (“Quien vive fuera del Presupuesto vive en el error”), dando ideia de que fora do Estado não há salvação, encontra eco no Brasil em todo tipo de exemplos da vida cotidiana.
Tome-se um caso emblemático. O que um jovem formado em Engenharia, Física, Matemática ou Economia em alguma universidade dos EUA consideraria como o ápice das suas ambições profissionais? Provavelmente, ser contratado por algumas das empresas do Vale do Silício, para trabalhar com tecnologia de ponta. Já no Brasil, em muitos casos, o que um engenheiro ou economista formado pela UFRJ, pela USP ou pela PUC de alguma das grandes cidades provavelmente irá fazer? Com grandes chances, se preparar para um concurso público. Faço aqui a ressalva de que não há nenhum demérito nisso — para que não haja dúvidas sobre o assunto, é o caminho que eu escolhi quando era jovem, aos 22 anos, há mais de três décadas. O problema é a escassez de gente com espírito empreendedor. Uma economia precisa dos dois perfis de pessoas: o país pode se beneficiar tanto de um grupo de funcionários públicos dedicados e com especialização na sua área de atuação, trabalhando em órgãos competentes, como o Ministério de Relações Exteriores, o Banco Central, a Receita Federal etc., como de jovens dispostos a competir e apostar em carreiras no setor privado, em novos negócios etc. Quando há um desbalanceamento em favor do primeiro caminho, o país tem um problema de mentalidade. E, sem enfrentá-lo, teremos dificuldades para termos um futuro promissor no longo prazo.
O curioso dessa atitude é que o jovem entende perfeitamente as regras da competição e da meritocracia quando se prepara para o concurso: ele sabe que as vagas são muito disputadas, que é preciso estudar muito e que a maioria das pessoas não passará. A defesa da competição, porém, em muitos casos se encerra no dia seguinte à aprovação. O nosso problema é que o mundo lá fora não funciona assim: há milhões e milhões de asiáticos estudando inglês, trabalhando nove, dez ou mais horas por dia, brigando por satisfazer o cliente das suas exportações e em constante processo de aprimoramento.
Tomemos o caso de muitas das emendas apresentadas à proposta de reforma previdenciária submetida ao Congresso pelo governo no final do ano passado. Na sua maioria, são tentativas de beneficiar um ou outro grupo específico, para que ele tenha uma aposentadoria antecipada, uma menor contribuição ou alguma forma de tratamento diferenciado. Novamente, é a velha ideia “mexicana” da frase citada, sinalizando que “fora do Orçamento não há salvação”.
O Brasil precisa deixar para trás décadas de mentalidade paternalista, se quiser ter um espaço relevante no mundo de hoje. Precisamos avançar na direção de termos um país produtivo, aberto à competição e inovador. Em pouco mais de 25 anos, o governo federal passou de um gasto primário — sem juros — de 14% do PIB a um nível atual de 24% do PIB, com uma elevação concomitante da carga tributária. A regra do teto do gasto tenta enfrentar esse problema, mas, para que ela seja respeitada, é preciso que o Estado deixe de ter a incidência de todo tipo de demanda como as que historicamente foram canalizadas para ele. E isso implica mudar corações e mentes. Não será fácil.
Fabio Giambiagi
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