segunda-feira, 10 de julho de 2017

Capitalismo meia-boca

Que o capitalismo tropical está longe funcionar, a gente já sabia. Mas bem que precisava ficar anunciando o velho e o obvio como se fosse novidade ou especial. Mas mesmo assim, vem dia, vai dia, a gente continua ouvindo (e lendo) essas coisas.

Não deixa de ser tragicômico ouvir sobre as preocupações recentemente adquiridas no mundo corporativo com “compliance”. Tito assim, em inglês, realmente parece novidade. Mas é apenas o óbvio escondido em um jargão. Pela primeira vez, parece que os conselhos de administração perceberam que seguir a lei é uma obrigação que deve ser cumprida.

arte-ironia-4.jpg
Angel Boligan
Mais importante que anunciar repetidamente novas diretorias de “compliance”, seria talvez identificar o que levou essas empresas a situação atual. Existem certamente razoes estruturais em seus sistemas de governança corporativa que permitiram o cometimento de ilegalidades de forma repetida, continuada e claramente incorporada a sua estratégia e procedimento.

Em tese, se tivessem funcionado, os conselhos de administração não permitiriam a estas empresas o envolvimento em corrupção ou ilegalidades. Servem (entre outras coisas) para isso. Esta é a teoria. E, em grande medida, a lei. Mas claramente, a teoria, na pratica, foi (e possivelmente ainda é) outra.

Uma das razões parece ser que em um país de capitalismo meia-boca, não dá mesmo para esperar que órgãos de controle corporativo baseados em democracia de acionistas funcionem exemplarmente.

O capitalismo tropical é carcomido pelo populismo. A cultura empresarial é privilegia as relações com o Estado, e a eliminação da concorrência, em detrimento de produtividade, eficiência e boa gestão. Era mesmo improvável que brotassem, por geração espontânea, boas práticas de governança corporativa. Seria talvez ingenuidade esperar, mas seria certamente milagroso se tivesse acontecido.

No Brasil, os conselhos de administração refletem apenas interesses dos controladores. Conselheiros, mas frequentemente que não, representam apenas acionistas ou interesses individuais, e não os interesses da empresa. Os resultados são previsíveis, esperados, quase inevitáveis.

Não é por acaso que, em empresas estatais ou privadas, as ilegalidades se deram sob a supervisão dos acionistas controladores. Nas estatais, atenderam os interesses do governo de plantão. E nas privadas, seguiram as ordens do controlador. Tudo sem qualquer oposição.

E, durante todo o tempo, todos acharam (e provavelmente ainda acham) tudo isso normal. Todos mesmo. Ninguém se preocupou em resolver e prevenir as causas centrais que levaram a execução de planos e decisões danosas aos seus acionistas.

Não parece que criação de diretorias de “compliance” resolvam o problema. Não resolve o fato de que, um conselho de administração eficiente requer independência, baseada em princípios democráticos que garantam que o acionista em sua integralidade tem seus direitos protegidos mesmo nos casos em que eles estejam em contradição com os interesses do controlador. Isto requer melhorias na formação e funcionamento dos conselhos de administração.

Mesmo depois do desastre, existe muito pouca preocupação no mundo corporativo com a forma de escolha, a eleição, e a performance dos conselhos de administração. Continua tudo mais ou menos igual. Sem grandes novidades.

E, surpreendentemente, espera-se resultado diferente. Coisa de doido.

Nenhum comentário:

Postar um comentário