terça-feira, 7 de março de 2017

A tragicomédia

Trump não é uma pessoa. É um resultado. São séculos de uma ideologia religiosa que, do puritanismo inicial, passou para um rancoroso ódio contra a complexidade social e política. Trump é o porta-voz de uma gangue da América silenciosa que detesta a democracia e que tomou o poder numa eleição “rigged” (fraudada) – exatamente aquilo de que ele acusou Hillary. Os republicanos estão no poder com esse escroto.

O republicano não ri nunca, como se o riso fosse uma fraqueza, um pecado. O republicano ostenta uma tristeza militante e nunca nos premia com um olhar amigo; se ele nos olha, é para nos condenar com um espelho morto, como aquele olhar do casal puritano no célebre quadro de Grant Wood “American Gothic”.


Vivem um paradoxo: querem mudar tudo para que nada mais mude nunca. Os republicanos moram na certeza, na eternidade, como os suicidas de Osama. Os republicanos acham que os democratas são cães infiéis, como pensam também os muçulmanos fanáticos. O que nos choca nisso tudo é a inatualidade do fenômeno. Os republicanos têm algo de revolta animal contra a cultura e a civilização, algo na base de “vamos deixar dessas frescuras liberais e voltar ao pau puro...”. Lembram quando eles quase faliram as contas da América para ferrar o Obama?

“Abaixo a inteligência, viva a morte!,” gritou o general fascista na Espanha de Franco, em 1936.

Trump é o eco. Em potencial, ele pode ser a coisa mais grave que nos aconteceu desde Hitler.

Trump vinha para acabar com todas as conquistas liberais dos anos 60. Trump é um detergente. Ele e seus asseclas encarnam o pensamento de milhões de idiotas que jazem entre o hambúrguer e o sofá diante da TV – eles acham que problemas se raspam, que dissidências se esmagam, que complexidades devem ser achatadas, que o múltiplo tem de virar “um”.

Eu já morei nos Estados Unidos, na Flórida, e conheço bem essa estupidez. É diferente da estupidez brasileira, pois não é fruto de analfabetismo ou de cultura zero. Lá a boçalidade tem mais chão, é mais sólida e forma uma rede ideológica que prospera na classe média do país todo. Lá, a boçalidade tem fundamentos. São monoglotas que nada sabem do mundo exterior. E, com o mundo cada vez mais global e intrincado, os estúpidos tendem para o isolacionismo mental, para certezas totalitárias. Metade dos Estados Unidos é republicana. Mas há também um grão da obsessão republicana na outra metade. Quando o Bush (ah... nunca pensei que sentiria saudades dele...) foi reeleito, o “The Guardian” publicou a seguinte manchete na capa: “Como podem 60 milhões de pessoas ser tão estúpidas?”. Hoje, creio mesmo que eles gostam da mentira e do ridículo desse cara, como se a grossura fosse uma espécie de “coragem”.

Por isso, a política democrática está virando um parafuso espanado que não gira mais a vida social.

Todos os homens sensatos do mundo sabem que Trump vai fazer um estrago. Mas ele quer justamente isso – ele quer ir contra a sensatez dos homens do mundo. Ele quer quebrar as regras do jogo, quer nossa ira, quer nosso escândalo.

Acho mesmo que estamos vivendo um pesadelo humorístico na história atual. O planeta está sendo governado por bufões e palhaços assassinos como o Kim, o porquinho atômico, o assassino Putin, o outro assassino Assad, o carrasco Duterte nas Filipinas, o violento repressor Erdogan e até o pequeno bigodinho do repulsivo Maduro. E o Trump veio para chefiar a todos na tarefa de paralisar o mundo.

Hitler não era cômico, seu rosto ostentava a expressão de ter sido vítima de alguma terrível injustiça, e foi o vingador da Alemanha molestada pela Primeira Guerra. E Hitler tinha um “ideal” dentro de sua psicose, sonhava com um milênio ariano. Mussolini tinha uma queixada arrogante, um corpanzil desafiador, lá com sua luta por uma Itália fascista organizada. Franco, com seu bigodinho de avô mesquinho, acreditava no anticomunismo, numa Espanha controlada com garrotes vis.

Trump, não. Sua cara não denota coisa alguma, a não ser uma proposital careta de sapo atrevido, a zombar dos democratas e nos impingindo sua figura – a caricatura vergonhosa dos republicanos, sua única utilidade.

Trump serviu ao menos para alertar que a democracia na América tem de ser aperfeiçoada com instrumentos de controle mínimo, que impeçam malucos de tomar o poder. Trump também é um alerta – a desinformação política americana é muito maior do que se pensava. Delicio-me vendo as caras, as fuças boçais típicas de seus eleitores. Em seus rostos há o nada. Também adoro ver as mulheres deles, todas iguais: cabelos louros de chapinha, sorriso parado na boca, gostosas louras-burras. Toda perua é republicana. É a rebelião dos imbecis...

A estupidez volta a governar a Terra. Procurando algum consolo, a única utilidade do rato talvez seja provocar uma autocrítica nos democratas, ingênuos crentes de que a democracia globalizada era para sempre. Bobearam. Em nome da democracia permitiram que o grande canalha xingasse o tempo todo Hillary de “vigarista”, bloqueando suas falas nos debates com sua barriga. Não houve um democrata para meter o dedo na cara do biltre. A única linha justa era a do Robert de Niro, que disse que Trump era um porco e que ele queria arrebentar-lhe a cara. Se o candidato fosse o Joe Biden, teriam vencido.

A democracia tem de estar sob uma eterna vigilância, porque é muito difícil de ser entendida por bilhões de pessoas – é complexa, precisa de sentimentos raros como compaixão, respeito ao outro, preservação da liberdade.

O povo entende melhor o autoritarismo boçal e machista: os dirigentes canalhas descobriram isso e estão se alastrando.

No plano geral dessa mixórdia, creio que vivemos uma tragicomédia. Sempre pensamos que o mundo poderia se ferrar por horrendos desastres, que poderia acabar (T.S. Eliot) “não com uma explosão, mas com um gemido”... Hoje vemos que tudo pode ser arrasado com um mugido, um zurro, com uma gargalhada boçal de psicopatas.

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