Chega de conversa. Vamos jogar. Como técnico da equipe, fiz longamente a preleção nessas últimas semanas. A seleção dos jogadores foi feita nas colunas de 27/2 e 5/3/16. A mídia torce contra. Uma orientação só, como a de Feola em 58: cada um joga o que sabe. Quem for bom de drible, drible. Quem for de correr, corra. Se for preciso, bicão dentro da nossa área. Nada de firulas na defesa. O jogo é bruto. Tem uma sutil diferença psicológica a nosso favor: os da pós-verdade não acreditam no nosso futebol. Escola ultrapassada. Nós conhecemos o deles: agressivo e desdenhoso. Vamos jogar na brecha do desdém. É onde eles abrem o flanco. Dão passes entediados. – Tocou o apito! Quem é juiz nessa peleja tão importante? Gente nossa não é. Veio das redes sociais. Moderador de facebook?
Escanteio. Fatos Alternativos bate. E como a alternativa a um corner bem batido é o desleixo, põe para fora do lado oposto. Sto. Tomás repõe a bola em movimento. Tem fé no ataque. Bota na frente. Foucault recebe e corre. É um grande driblador. Muda de estilo, para dentro e para fora, rente à lateral e caindo para o meio. Ninguém o adivinha. Linha de fundo. Cruza lindo para Platão, um homem cheio de ideias. Inclusive a ideia de gol. E marca! Bola por cima do zagueiro Campeão do Perspectivismo. Vesgo, não viu toda a complexidade da jogada. Defendeu a trave direita. Platão meteu na esquerda. Bola no centro do campo.
Nietzsche para Foucault. Mas agora quem vem de trás é Aristóteles. Homem de sistema, Aristóteles vê o campo inteiro. Encontra Heráclito solto pelo meio. Nietzsche e Foucault correndo junto. Escolhe o filósofo das contradições. Heráclito também é um driblador. Mas joga para o time, tem o espírito do comum. Usa os dois pés, para ele dentro e fora são o mesmo. Dá uma de Garrincha no Cientista Formalista que perdeu o caminho dos fatos. Nietzsche está solto. Recebe livre. E mete o pé. É o filósofo da potência. Bate na trave como uma martelada, chacoalha tudo. Sobra para Heráclito. Derrubado na área pelo zagueiro dos Pós-fatos. Bafafá. O árbitro das redes tem uma convicção, mas nenhuma certeza. Consulta o evento criado para o jogo no face. Ao acaso dos comentários, violentos alguns, dá o pênalti. Nietzsche, que se considera dinamite, bate forte, mas no meio. Morte do Sujeito pega. Nietzsche também não acredita em sujeito. Telegrafou o chute. Recomeça o jogo.
Fim dos Fundamentos devolve. Como não acredita em fundamentos, mas em casualidades, improvisa uma técnica nova e faz um eficacíssimo gol contra. Deixa Morte do Sujeito totalmente batido. Bola no meio.
Nietzsche atrás para Foucault, bem marcado por Desconstrução. Já tinham jogado no mesmo time. Desconstrução entra pela defesa onde Sto. Tomás via anjos. E mete uma bomba que Beda tem de aceitar. 2 x 1. Tiro Sto. Tomás e Nietzsche. Chamo do banco Sêneca e Pascal. Sêneca se empenha muito, joga para o time, é um cultor da amizade. Pascal aposta. Podemos ganhar ou perder. Apostando que ganhamos, leva alguma vantagem contra o Relativismo Feroz que o marca. Recebe de Sócrates e triangula com Aristóteles. Jogo cheio de substância o de Aristóteles. Não é driblador, tem sistema. Mas joga pela felicidade, não é fechado. Espera Sêneca, que encosta. Outro que busca a felicidade. Que no futebol é o gol. Sócrates está na linha de lado, anda preocupado em se cuidar. Teme um cartão vermelho, a morte no futebol. Recebe, pergunta à bola ‘quem você pensa que é?’ e cruza para Foucault, que vem se aproximando do velho há algum tempo. Gosta de história, e Sócrates esteve lá na invenção do jogo. O autor de Vigiar e Punir espreita a saída de Crise da Representação e mete sem piedade. E é gol! É gol! 3 x 1. Nem parece verdade. Nosso time está rebaixado à última divisão. E vai humilhando o postulante a campeão da Primeirona.
Os da não-verdade apelam para a violência. Carrinho por trás. Falta sem bola. O juiz resolve congelar a rede. Fim do primeiro tempo. Alegria e esperança de um lado. Mau humor e desdém do outro. Tem volta!
Contamos com isso. Tem segundo tempo. O jogo não acabou.
Marcio Tavares D’Amaral
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