O fim da era petista decretado pelas eleições municipais de 2016 é mais do que um fato histórico. Ao quebrar o modelo das disputas políticas no País nas últimas décadas, diz tanto sobre o passado quanto sobre o futuro da política brasileira. Sua resultante tem muitos nomes: vitória da antipolítica, guinada à direita, ressurreição do PSDB, ressaca da Lava Jato. Em maior ou menor grau, todos nomeiam partes do fenômeno. Para tentar compreendê-lo no todo, convém repassar a história.
A exuberância do consumo popular nos anos Lula produziu um inchaço do petismo. Em média, a preferência pelo PT cresceu oito pontos (um PSDB de novos simpatizantes) no período de 2002 a 2010 em comparação aos oito anos anteriores. Inchaço porque não foi um crescimento sustentável. Durante a era Dilma, a simpatia pelo partido recuou tudo o que crescera e mais um pouco: nove pontos, na média 2011-2015 da preferência partidária do Ibope.
Em 2016, ao longo da novela do impeachment coadjuvada pela recessão, o petismo perdeu mais dez pontos e voltou ao século passado. Essa fotografia da crise foi tirada após a maior derrota eleitoral do PT em sua história. Ainda não se sabe se plasmou o fim do partido como o conhecemos ou se registrou um momento de exceção. Por isso, é melhor analisar as médias.
Mesmo terraplanando os picos de euforia e depressão petista, o governo Lula inflou em 50% a preferência pelo PT. Encheu-a pelo bolso, muito mais de pragmatismo do que de ideologia. Mais gente passou a frequentar o supermercado e abrir crediário na Casas Bahia. Menos gente fez greves e promoveu invasões de terra.
Em paralelo à desmobilização da militância partidária e ao torpor sindical, as prefeituras, as câmaras, as assembleias e a Esplanada dos Ministérios se encheram de petistas. Novos e velhos, convertidos e históricos, aos milhares. A ocupação do poder institucional somada ao inchaço da preferência pelo PT mudou o comportamento do eleitorado brasileiro como um todo, inclusive o das outras forças políticas. Por reação.
Se antes de o PT ganhar eleições federais sucessivas e desalojar outros partidos já existia um antipetismo, depois disso ele ganhou dimensão muito maior, proporcional ao protagonismo do partido e de seu líder, Lula. A partir de 2004 e, em especial, de 2006, as eleições se organizaram em um eixo PT versus anti-PT. A polarização passou a ter fronteiras no mapa.
Era possível ver as forças antagônicas de luneta (nas grandes regiões, o Nordeste versus o Sul-Sudeste antipetista) e no microscópio (dentro das cidades, a periferia pobre pró-PT versus centro rico anti-PT). O engajamento cresceu de ambos os lados. Houve um aquecimento global do clima político.
Mais cabeças foram feitas. Em 2010, os “engajados convictos” eram 49% do eleitorado, segundo estudo do Ibope Inteligência. Ou seja, metade definiu seu voto logo no começo da campanha, assim que descobriu quem era a candidata do PT e quem era seu principal opositor. Em 2016, diminuiu muito o engajamento. Houve um terço a menos de cabeças-feitas, na maioria ex-petistas.
Esses 15% do eleitorado viraram um “isentão decisivo” (de 17% para 23%) ou um desinteressado por política que “só vota obrigado” (de 27% para 33%). Ambos deixaram para definir seu voto e prefeito na última hora. Os 3% restantes simplesmente não votaram, elevando os ausentes do processo eleitoral para 10%.
O desinchaço do petismo não apenas levou à derrocada do partido, como contribuiu para diminuir o engajamento médio do eleitorado como um todo. Junto com as mídias sociais, estimulou o voto volúvel e improvisado, produzindo mudanças de última hora nas corridas eleitorais. Por tabela, ajudou a viabilizar azarões, inflou os votos nulos e favoreceu aqueles que se apresentam como antipolíticos. E isso é só o começo.
José Roberto Toledo
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