Nelson Motta lendo para a filha Graça |
Muitas vezes, quando não sei o que fazer diante de uma situação, penso no que meu pai faria. E faço.
Quando eu estava furioso e indignado com injustiças e torpezas, querendo quebrar tudo, ele aconselhava serenidade e tolerância, não como submissão e resignação, mas como prova de superioridade moral e força dos meus argumentos.
Como grande advogado e conhecedor do sistema judicial brasileiro, com todas as suas mazelas e atrasos, sempre me dizia que brigar era o pior negócio, pela perda de tempo e dinheiro, e buscava acordos que contentassem as partes.
Desde pequeno, ele me buzinava que se leva uma vida para construir um conceito — e que basta um erro para perdê-lo. Recuperar um bom conceito custa muito mais tempo e sacrifícios do que construí-lo.
Ele e eu não somos santos, temos muitas falhas e fraquezas, mas entre elas não estão a covardia e a prepotência: “Você tem que ser humilde com os humildes e altivo com os poderosos.”
Tratava empregados melhor do que patrões, sempre nos dizia que qualquer pessoa que trabalhava para ganhar a vida era superior a nós, que só estudávamos e vivíamos às suas custas.
Quando crianças, eu e minha irmã às vezes disputávamos o último guaraná, ou o último pedaço de bolo, e ele lançava a sentença fatídica: “Um divide, e o outro escolhe”. Eram horas contando gotas e grãos para não dar vantagem ao que escolhia, fazendo justiça sem querer.
Ultimamente, tenho solicitado bastante o que seriam as suas possíveis opiniões diante da loucura que se tornou o Brasil, para não sair xingando e distribuindo inúteis coices e cusparadas verbais.
“Calma, meu filho, assim você não vai conseguir nada. Os que te inspiram ódio vão seguir em frente, eles não ligam de serem odiados, e você fica com o ódio lhe envenenando a alma e confundindo seu pensamento.”
A última vez que estive com ele, já com 92 anos e muito debilitado, “de saco cheio de viver”, perguntei-lhe como estava, e ele respondeu: “E você, como está?”.
“Eu estou bem, é você que interessa”.
“Ah, meu filho, ficar velho é uma merda.”
“Mas, pai, não ficar é pior ainda.”
E rimos juntos pela última vez.
Nelson Motta
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