sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Uma batata assa em Brasília

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Conheço muita gente que aprecia o fato de Dilma Rousseff ter sido despejada do Palácio do Planalto e torce para que Temer acerte a mão, mas não conheço ninguém que goste realmente de Michel Temer, ou que manifeste entusiasmo genuíno por tê-lo na presidência da República. Quem foi para as ruas pedir o afastamento de Dilma não foi pedir a posse de Temer. Ele foi aceito porque fazia parte do pacote: na falta de uma decisão do TSE que impugnasse a chapa inteira, saindo a presidente era natural que entrasse o vice, como o menor de dois males.

O único elogio que se ouvia a ele, durante o processo de impeachment, dizia respeito à sua suposta habilidade política, o talento que o teria alçado ao cargo. Não era muito, mas talvez fosse aquilo de que o país precisava: um homem modesto (com muitos motivos para sê-lo, como dizia Churchill a respeito de Clement Attlee), capaz de dialogar e de tomar as medidas necessárias para recolocar a economia nos trilhos.

A cada dia fica mais claro, porém, que a única habilidade política de Michel Temer é convencer os demais da sua habilidade política. Uma pessoa verdadeiramente dotada de habilidade política sabe de que lado os ventos sopram, mas Temer demonstrou completo desconhecimento disso ao tomar posse e nomear um ministério tão pouco diversificado. Uma pessoa verdadeiramente dotada de habilidade política sabe identificar os vespeiros nos quais não se deve mexer, mas Temer cutucou o maior deles, acabando com o Ministério da Cultura e pondo a classe artística em pé de guerra. Uma pessoa verdadeiramente dotada de habilidade política conhece, enfim, os limites do seu poder, e percebe a extensão da paciência dos cidadãos, mas Temer desconhece uns e ignora a outra.

Se tivesse a exata noção da sua impopularidade, e do quanto está abusando da tolerância dos brasileiros, Temer teria demitido Geddel Vieira Lima assim que as denúncias de Marcelo Calero vieram à tona. Em vez disso, promoveu a palhaçada que foi o apoio da base parlamentar ao seu ministro, ato equivalente a uma cusparada na cara da população. Quando aqueles 16 deputados atravessaram a Esplanada dos Ministérios em ato de desagravo a Geddel, declarando o seu apoio “amplo e irrestrito” à atitude imoral de um homem suspeito, o seu governo cruzou a linha da decência, e fez uma declaração pública de falta de princípios. Que se danem a ética e a coisa pública, desde que os negócios dos companheiros fiquem garantidos: em Brasília, todos se entendem.

Rodrigo Maia disse que Geddel é fundamental à articulação política, e que afinal o parecer do Iphan não foi revisto, portanto nada de grave aconteceu; parece que, para ele, tráfico de influência só é crime quando o traficante logra o seu intento. Renan Calheiros dá o fato por superado, uma bobagem de nada. Ao contrário do que eles acham, no entanto, e ao contrário do que afirma André Moura, o líder do governo na Câmara, o caso Geddel não é uma coisa “pequena” e “pontual”. É um escândalo, e é o retrato de tudo o que não suportamos mais ver na política: a corrupção, o compadrio, o uso da máquina do poder em proveito próprio e em detrimento da sociedade como um todo.

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A violência de uma cidade não se expressa apenas no número de assassinatos ou de assaltos que acontecem nas ruas. Ela se expressa também em outras formas de agressão cotidiana aos cidadãos, do trânsito e da poluição a uma arquitetura que evidencia que as leis ou não funcionam, ou não são iguais para todos.

Não há uma só cidade que eu conheça no Brasil em que não haja exemplos concretos desse desvirtuamento da lei, a começar aqui pelo Rio, a começar até aqui pela minha rua, onde entre prédios de 12 ou 13 andares erguem-se dois espigões com o dobro do tamanho dos outros. Basta olhar para eles para ver que funcionários públicos foram corrompidos, licenças foram negociadas por baixo dos panos e a prefeitura fez que não viu. Eles são monumentos à canalhice de um sistema apodrecido, sem ferramentas efetivas de fiscalização.

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Uma empresa que começa uma construção das proporções do famigerado La Vue numa área histórica sem antes ter autorização do Iphan tem certeza absoluta de que vai obter essa autorização — especialmente quando o Instituto dos Arquitetos, a associação de moradores local e o Escritório Técnico de Licenças e Fiscalização estão contra a obra.

O edifício que o ministro Geddel quer ver concluído, e onde comprou apartamento, é uma aberração arquitetônica, um estrago monumental numa paisagem já muito castigada. Qualquer busca no Google por La Vue + Salvador revela as dimensões do desaforo, que ainda por cima tem esse nome cafona dado para impressionar gente colonizada.

Não é apenas o ministro que deve ser investigado no caso. A construtora Cosbat, responsável pela obra, o Iphan da Bahia e a prefeitura de Salvador, que a autorizaram e que são, consequentemente, cúmplices dessa violação, também deveriam responder pelas suas ações.

Mas, né? Prefeitura investigada por causa de prédio irregular? Por causa de licenças suspeitas? Por causa de atentado paisagístico?

Vai sonhando, Cora Rónai, vai sonhando.

Cora Rónai

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