terça-feira, 6 de setembro de 2016

Uma festa sem cidadania

Há alguns anos penso na Paralimpíada de 2016 como uma agressão às pessoas com deficiência que vivem no Rio. Por que nossos governos inventaram pretextos comerciais internacionais para justificar o exercício de suas obrigações de governar? Por que fazer uma festa internacional se a nossa casa nunca foi construída? Se nossa legislação é excelente, mas não há quem a implemente? Para que louvar a competência da pessoa com deficiência apenas através dos Jogos?

Fui chefe da delegação brasileira em Atlanta, acredito no poder do esporte para uma reabilitação prazerosa e para o bem-estar físico. Compreendo a possibilidade de os Jogos Paralímpicos ajudarem na construção de um novo imaginário social. Mas, se essa força de demonstração não vier acompanhada de acesso a direitos, quebra de preconceito e mudança de comportamento, ela não constrói nada. E não adianta dizer que políticas serão construídas. Como de nada adianta acharmos que pessoas com deficiência têm uma capacidade de superação admirável se isso não resultar na convivência harmoniosa de cidadãos que se respeitam.

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No Rio, pessoas com deficiência não têm como exercer seus direitos básicos de cidadania. Administradores, gestores de serviços públicos e empresas assistirão aos Jogos, poderão até no futuro dar atenção a um ou outro cidadão com deficiência, mas é preciso um movimento permanente, e esse não nascerá dos dez dias de exibição nos Jogos.

Como ter direito à vida se até mesmo um simples aparelho para respirar ou um remédio anticonvulsivante de baixíssimo custo não são fornecidos pelos serviços de saúde? É razoável pessoas saírem do hospital amputadas ou paraplégicas sem uma cadeira de rodas?

Escolas cariocas não estão preparadas para serem inclusivas, mas a lei assim o determina. Como uma escola pode ser inclusiva se não ensina Braille, se não ensina nem interpreta Libras? Se não tem rampas?

De que adianta a lei de cotas determinar que empresas empreguem pessoas com deficiência, se as empresas dizem que não conseguem cumprir a lei? Se o governo nem fiscaliza nem oferece conhecimento para que a lei seja efetivada? Dados oficiais dizem que o percentual de pessoas com deficiência empregadas se mantém baixíssimo, com pequenas flutuações que reafirmam sua vergonha.

São também quase intransponíveis os obstáculos para que um cadeirante ou um cego exerçam seu direito de ir e vir. No Rio, temos apenas um sinal sonoro para cegos. Quantos sinais comuns existirão? Trens e ônibus, principais meios de transporte da população, não são acessíveis, e de nada adianta instalar plataformas que não funcionam ou pintar símbolos de acessibilidade. Pouco acresce dizer que VLT, BRT e metrôs são acessíveis. Os veículos novos obedecem a exigências internacionais, o metrô obedeceu a Ação Civil Pública. Nenhum deles resultou da decisão de implementar acessibilidade.

A prefeitura tem insistentemente desobedecido à lei e às decisões judiciais, nem mesmo respeita a decisão de Ação Civil Pública para que o alvará só seja concedido a estabelecimentos acessíveis.

O tempo para construir direitos e políticas sociais para pessoas com deficiência já passou, seja o tempo longo do Estado brasileiro, seja o tempo curto desde 2009, quando o Rio venceu a disputa para realizar os Jogos. O tempo da vergonha de mostrarmos ao mundo que não respeitamos os direitos das pessoas com deficiência chegou. A recusa permanente da prefeitura a desenvolver políticas públicas pode agora ser exibida ao mundo todo.

Na delegação brasileira, um bom número de atletas não teria deficiência se tivesse acesso a serviços de saúde de qualidade.

No palco, as pessoas com deficiência sempre permanecerão diferentes.

Teresa Costa d’Amaral

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