Em breve, teremos nova versão do Currículo Nacional Único — atualmente em construção. Quase com certeza, pouco depois leremos nas mídias várias matérias — parte das quais comemorando “a novidade que já devia ter acontecido”. O que muitos não sabem é que, até em torno dos anos 1970, o Brasil tinha currículo único.
Quando comecei a lecionar, meus colegas e eu recebíamos do MEC o que chamávamos de lençol, um livreto que, aberto, se desdobrava em folhas enormes (daí o apelido), que traziam, disciplina por disciplina, série por série, os conteúdos que deviam ser desenvolvidos em todo o país.
Fico aliviada com o retorno dessa base unificada, que, a meu ver, jamais se deveria ter abandonado. A primeira versão apresentada pelo MEC necessitava de tantos reparos — verdadeira reconstrução — que a próxima talvez careça de outra mais.
Causa perplexidade, porém, verificar que o abandono do currículo único — sob a alegação de atender a singularidades regionais —, na prática significou deixar de ensinar capítulos importantes de História, Geografia, Matemática — de tudo! A que regionalidade, afinal, se atende, ao suprimir o Holocausto da Segunda Guerra? Que característica se respeita quando não se ensina a interpretar gráficos?
A pretexto de respeitar especificidades, deixou-se de dar formação cultural, leitura compreensiva e cálculos aos brasileirinhos. Hoje, 57% dos alunos de 8 anos não superam os dois primeiros níveis de leitura. E Matemática também faz corar: apenas 58% alcançaram os dois níveis iniciais!
Dá para compreender que o novo documento seja esperado com ansiedade.... Importa frisar, porém, que colocar no currículo único a responsabilidade de, a partir de sua implantação, superarmos os parcos resultados é vã quimera. Há outras providências que precisam ser tomadas.
A qualificação docente e a superação da insustentável situação da indisciplina, que consome professores e os adoece, são duas delas. É preciso dizer, por outro lado, que “modismos na educação” não acometem só o Brasil. A Austrália também demorou a perceber a necessidade de se voltar ao currículo único, mas o fez em 2012.
Agora, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) determina que o currículo tenha base nacional comum e parte diversificada, coadunando as duas necessidades. O que o currículo único faz é definir os saberes e competências mínimos que todos devem ter adquirido ao final da Educa- ção Básica — porque fazem diferença na vida, no exercício da cidadania e na promoção da igualdade social.
E mais: garantem que um aluno transferido do Acre para o Rio possa ter assegurada a continuidade dos estudos. É bem-vindo, pois, o currículo único de novo; mas há que haver continuidade nas decisões, para que não tenhamos que partir do zero a cada novo ministro. Educação deve ser um projeto do Brasil — e, assim, suplantar modismos e gestões.
Tania Zagury
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