Agora mesmo, a Câmara tenta estender aos parentes dos ex-deputados o generoso plano de saúde que contempla os 513 parlamentares em exercício, incluindo cônjuges, pais, filhos e outros dependentes. Como justificar um absurdo de tal monta?
Além de ganhar um salário de R$ 33.763, os deputados já recebem uma série de benefícios: 1) verba de gabinete de R$ 92.053 mensais para pagamento de até 25 assessores; 2) ajuda de custo mensal entre R$ 30.789 mensais (para deputados do Distrito Federal) a R$ 45.613 (para os de Roraima), e líderes e vice-líderes de bancadas têm adicional de R$ 1, 4 mil. 3) auxílio-moradia de R$ R$ 4.253 mensais; 4 ) ajuda de custo de R$ 33.763 no início e no final da legislatura (ou seja, dois salários extras a cada quatro anos); 5) jornais e revistas, material gráfico, computadores, franquia livre de telefone, franquia livre de correios e reembolso de despesas médicas, entre outro benefícios.
Apartamento funcional do Legislativo em Estocolmo |
Democracia sueca é um exemplo a ser seguido pelo Brasil
Vejam agora como a democracia funciona na Suécia, no relato da jornalista brasileira Claudia Wallin, que mora em Estocolmo há 13 anos e lançou livro “Um país sem excelências e mordomias”, sobre parlamentares que moram em apartamentos minúsculos, que lavam a roupa em lavanderias comunitárias, e juízes sem qualquer mordomia. Em uma de suas vindas ao Brasil, no ano passado, a escritora esteve em Curitiba e deu entrevista a Rogerio Waldrigues Galindo, do jornal Gazeta do Povo.Como tem sido a receptividade da classe política a essa divulgação da ausência de mordomias dos políticos suecos?
Da classe política em si eu não tenho tido nenhum retorno, a não ser do Eduardo Jorge (PV) na época da campanha presidencial. Ele gravou um programa lendo o livro. O que acho impressionante é o retorno dos leitores. Recebo centenas de mensagens de vários lugares do Brasil, de cidades muito pequenas, o que eu acho muito interessante. Semana passada recebi um e-mail de uma pessoa que mora na fronteira com o Uruguai dizendo que os moradores vão fazer uma vaquinha para colocar o livro em todas as escolas da cidade.
O fato de o livro estar indo para a quarta edição reforça que existe uma curiosidade de se conhecer um sistema diferente, uma indignação com o sistema brasileiro?
O que eu acho importante é que isso não é um livro pra dizer “olha como os suecos são maravilhosos e o brasileiro é ruim”. É exatamente o contrário. O que eu quero mostrar é que sou uma observadora de uma sociedade possível. É possível você ter uma democracia forte, transparente e justa, que não dá regalias a políticos e nem a juízes e onde a corrupção é um fenômeno relativamente raro. Isso não é uma coisa que se constrói da noite para o dia. É um processo de evolução. Quem costuma dizer que o Brasil não tem jeito esquece que os países também se transformam. A Inglaterra era uma nação de piratas, como a Holanda. Se você olha para trás na história, os suecos eram vikings, trombadinhas da época, promoviam arrastões em terras alheias. Ou seja, é um processo de evolução. Eles [os suecos] não são melhores do que ninguém. O ser humano é o mesmo. O sistema é transformado pelas reformas que ocorrem no país. São as instituições que se aperfeiçoam. A reforma política, a reforma educacional, a reforma do Judiciário, a reforma administrativa. Esse conjunto de aperfeiçoamentos foi o que eles fizeram ao longo dos anos. Também foram ajudados por uma forte moral luterana – aqui nós podemos dizer que temos a moral católica – e pelo fato de a igualdade ser um valor profundo das sociedades escandinavas. Não é uma utopia. É uma sociedade real.
No Brasil não existe essa tradição igualitária. Como lidar com isso?
O valor da igualdade na Suécia é muito antigo e muito próprio dos povos escandinavos. Aqui o que temos não é só uma falta de igualitarismo, é um anacronismo. A Suécia pode ser um exemplo extremo dessa falta de mordomias, privilégios e corrupção, mas você vê agora na Inglaterra o primeiro-ministro David Cameron sendo fotografado na classe econômica do avião. Pode ser até certo grau uma medida populista. Mas são gestos que carregam um simbolismo muito grande. Eles estão percebendo que essa maneira de ser, de que os políticos se tornaram uma espécie de nova nobreza, não cabe. No Brasil, o primeiro passo é a conscientização. Na minha geração era normal você ver todos os políticos com carro oficial e a mulher do deputado fazendo compras. Mas isso não é normal. Trata-se de dinheiro público.
Aqui muitas vezes um político, quando é cobrado por gastos, reclama que o valor é pequeno, uma ninharia. Mas você relata o caso de uma deputada sueca execrada por pagar táxi com verba pública.
Toda vez que um político ousa pegar um táxi várias vezes usando dinheiro público ele é execrado; vira manchete de jornal. E todas as vezes que um jornal denuncia uma coisa dessas, eles usam o mesmo texto: “Usou o dinheiro do contribuinte para fazer isso ou aquilo, apesar de morar perto duma estação de trem”. Existe uma noção de que políticos e juízes vivem como vive qualquer cidadão. Então por que ele vai ter um carro oficial? Por que ele tem de ter um apartamento de duzentos metros quadrados? Por que ele vai ter pensão vitalícia? Isso é um absurdo. Você cumpre dois mandatos e recebe dinheiro para o resto da vida. Na Suécia, quando o político sai do parlamento ele recebe uma ajuda de transição. Ou seja, enquanto ele tenta conseguir outro emprego ele recebe uma fração do que ele recebia no parlamento. Mas isso por um período determinado, um ano no máximo.
Outra dificuldade de aplicar o modelo sueco no Brasil poderia ser o fato de sermos menos ricos. Como resolver isso?
Não há como transpor mecanicamente uma cultura para outro país. Mas são ideias e inspirações que você pode ter. Medidas como a de corte de privilégios e a grande transparência podem ser adotadas. A Suécia já foi um país corrupto. Num trecho do livro comento que antes os cargos nos tribunais e no setor público eram literalmente vendidos e comprados. As universidades de Direito eram descritas em textos acadêmicos como verdadeiros lamaçais. Agora, transparência na gestão pública foram eles que conceberam. E não é somente pelo dinheiro. Claro, se você quer chegar naquele ideal, o ideal de uma sociedade com oportunidade para todos, em que todo cidadão tem direito de usufruir de serviços básicos de qualidade, já é um caminho mais longo. Sabemos que existe uma resistência extraordinária no Brasil.
Um modelo como o sueco precisa de mais carga tributária, o que não costuma ser muito popular por aqui.
Eles têm uma carga tributária maior, mas não é tão diferente. Já foi bem maior. Hoje a carga tributária na Suécia é mais ou menos 45% do PIB. Aqui são 36%. O grande problema do Brasil é a sonegação. Se você tem grande resistência das pessoas em pagar impostos no Brasil, você não vê o retorno dos impostos que você paga. Geralmente o trabalhador, porque as empresas não pagam. Fala-se muito em corrupção, mas a sonegação é um problema bem maior no Brasil do que a corrupção. As sociedades desenvolvidas passaram por um processo de evolução. O primeiro passo é a maior consciência e maior participação do cidadão. Nada vai mudar enquanto as pessoas não se importarem com política, porque o caminho da mudança é a política.
Um modelo como o sueco precisa de mais carga tributária, o que não costuma ser muito popular por aqui.
Eles têm uma carga tributária maior, mas não é tão diferente. Já foi bem maior. Hoje a carga tributária na Suécia é mais ou menos 45% do PIB. Aqui são 36%. O grande problema do Brasil é a sonegação. Se você tem grande resistência das pessoas em pagar impostos no Brasil, você não vê o retorno dos impostos que você paga. Geralmente o trabalhador, porque as empresas não pagam. Fala-se muito em corrupção, mas a sonegação é um problema bem maior no Brasil do que a corrupção. As sociedades desenvolvidas passaram por um processo de evolução. O primeiro passo é a maior consciência e maior participação do cidadão. Nada vai mudar enquanto as pessoas não se importarem com política, porque o caminho da mudança é a política.
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