Em seguida, outro caso. Este sem mediações digitais. Entrevistam uma aposentada moradora da periferia, que a duras penas conseguiu juntar R$ 900 para uma pequena obra doméstica. Ela conta que foi procurada em casa por um sujeito bem falante e respeitoso, que lhe disse vir em nome do banco para trocar seu dinheiro, pois em breve o que guardava não valeria mais, já que o governo está substituindo todas as notas, para mudar sua numeração. Mostrou-lhe que as cédulas têm números impressos, exibindo-lhe notas novas com números diferentes. Ela entregou suas economias. Quando descobriu o erro, já não tinha como consertar. Perda total.
Mas não temos campanha eleitoral que deveria justamente fazer com que os candidatos ficassem conhecidos? Ajudar os eleitores a saber mais e se preparar para o voto, dar-lhes informação? E uma mídia livre, atenta e atuante, despejando notícias 24 horas por dia? E não estamos reduzindo os índices de analfabetismo?
É claro que parte da responsabilidade está no sistema eleitoral e seus mecanismos, propícios à mentira e ao engodo, com marqueteiros milionários, proteção a partidos de aluguel, coligações esquisitas, campanhas em que nada sério é discutido, e votos proporcionais distorcidos — em que o eleitor vota em um candidato e elege outro, enquanto deixa de eleger quem teve mais votos. Daí a importância da reforma nessa área, pela qual a democracia clama.
Há, sim, os eleitores metidos a sabidos, que querem se dar bem e vendem o voto por uma suposta benesse (como os que compraram dinheiro falso pela internet). E há os crédulos e desinformados, acreditando no que lhes diz o vizinho, o cabo eleitoral, o guru da hora, o miliciano, o “dono” da comunidade, ou o pastor de uma das tantas igrejas que proliferam, isentas de impostos e ligadas a partidos políticos.
Mas há também, e com relevo, o efeito de uma educação deficiente, incapaz de provocar comparações e reflexões, desenvolver o espírito científico e a capacidade de análise crítica baseada na observação da realidade. Seja por insistir em fórmulas prontas a que o aluno deve aderir, seja por deficiências na formação do professor. A imposição do conformismo acaba perpetuando crenças incompatíveis com a racionalidade, ainda mais deletérias quando se somam à certeza absoluta, vinda da ilusão do conhecimento. Exemplos disso estão na tentativa de impor dogmas e interditos religiosos e políticos. E em teorias constrangedoras como a externada recentemente por sábia filósofa, de respeitada universidade, que leva a negação do real ao ponto de afirmar que não houve corrupção sistemática e institucionalizada na Petrobras, mas apenas o juiz Sérgio Moro foi treinado pelo FBI para a Lava-Jato, com o fim de desestabilizar o país e entregar o pré-sal aos EUA. Ou para cumprir os desígnios do Ocidente e ocupar nosso mercado, apoiou outro sábio, doutor pela mesma universidade.
Precisamos de mais abertura para a realidade, mais exame dos fatos. Para aprender. Palmas para a bem-humorada Fernanda Torres, que anuncia um programa chamado “Minha estupidez”, focalizando temas e ângulos em que se sente ignorante. Recente estudo do historiador Yuval Harari, “Sapiens”, sustenta que o reconhecimento da própria ignorância foi que propiciou a revolução científica da modernidade, ao rejeitar dogmas e ideias prontas. Atitude que foge da arrogância e se aproxima da máxima socrática que há séculos ensina: “Só sei que nada sei". Caminho da sabedoria.
Ana Maria Machado
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