Um exame menos acurado pode levar um observador a imaginar que trocamos seis por meia dúzia desde a ascensão de Michel Temer à chefia do executivo federal. Afinal, o PMDB constantemente marca presença em escândalos de corrupção. Mas é bom não perder de vista que desferir um soco ou disparar um tiro contra o rosto de alguém são atos tipificados em artigos bem distintos no Código Penal brasileiro. Ou por outra: existem diferentes graus de canalhice na política e jogar todos os seus agentes em um mesmo saco, desde o chefe até o office-boy da quadrilha, gera o risco de permanência por tempo indeterminado de salteadores no poder.
As cifras amealhadas pelo PT desde que alçou Lula ao poder em 2003, totalizando apenas os recursos canalizados da Petrobras para suas campanhas eleitorais e para o bolso de determinados companheiros (não contabilizado aí o desperdício de verbas públicas e o aporte que o Tesouro Nacional precisará fazer, cedo ou tarde, para evitar a quebra da estatal, visto que privatizá-la não está na agenda do governo), atingem valores tão elevados que ultrapassam qualquer fronteira da falta de respeito com a coisa pública registrada na história mundial.
Atente-se para o fato de que, sob a batuta de governos “progressistas”, o Planalto vinha irrigando diversos “movimentos sociais” com dinheiro de pagadores de impostos (tais como UNE, CUT, MST, MTST e demais “joint ventures” da esquerda) para que cumprissem suas “funções” – quais seriam mesmo, além de promover baderna e depredação do patrimônio público? Isso sem mencionar os sites financiados da mesma forma para destruírem a reputação de adversários políticos – leia-se: qualquer um que se opusesse à eternização da esquerda no governo.
Outra considerável diferença é o viés estatizante do PT: esse sempre fez questão de seguir à risca a cartilha keynesiana (muito conveniente para quem pretende gastar até o que não tem para “impulsionar o crescimento do país”, ainda que isso faça tanto sentido quando tentar encher mais a piscina tirando água da parte funda para a parte rasa). O PMDB, a seu turno, já dá mostras de que compreendeu que imprimir dinheiro – reduzindo taxas de juros para níveis abaixo do mercado, forçando os bancos públicos a puxarem a fila – seria uma maneira artificial de se recuperar de uma recessão causada, justamente, por um crescimento econômico não menos artificial. Eis o legado de Lula: um acréscimo de prosperidade não fundamentado em aumento de produtividade. Não tinha como ir longe. Por isso mesmo, já planeja privatizações, redução do número de cargos de confiança, reformas trabalhista e previdenciária, e limitação do gasto público. Ou seja, está enfrentando o problema de frente, em vez de administrar doses mais altas do mesmo veneno que levou o paciente à UTI.
A diferença do trato da mídia em relação aos governantes de PT e PMDB também é de se levar em conta. Michel Temer tem sido colocado contra a parede pelos jornalistas dos principais veículos do país, o que é digno de elogio, pois esse é o papel do jornalismo – e não tirar selfies com a presidenta, ou permitir que apenas após a meia-noite a real situação econômica e política do país seja desnudada ao público.
Chama atenção também o perfil conciliador que Temer vem adotando em sua ações. Por mais de uma vez, voltou atrás de decisões que havia tomado para evitar desgastes desnecessários em um momento no qual nenhum apoio para aprovar no Congresso Nacional às reformas necessárias pode ser desprezado. Esse, por sinal, já era seu perfil como presidente da Câmara dos Deputados. Ou será que valeria a pena mesmo enfrentar a horda de artistas ensandecidos com a mera possibilidade de ver minguar seus lucros, ou a turma do MTST fechando avenidas em São Paulo? Melhor atirar um osso do que correr o risco de ver o totó subir na mesa.
Acredito que, até 2018, esse governo de transição possui duas missões intimamente interligadas: a primeira é tentar desarmar a bomba-relógio que pode transformar a depressão econômica em um completo colapso; a segunda é plantar na cabeça dos brasileiros a noção de que enxugar o Estado pode melhorar sua vidas. O fantasma do populismo arrasta correntes por Brasília há tanto tempo ─ possivelmente em decorrência do regime militar, que transformou a esquerda em eterna vítima, rendendo-lhe muitas vitórias em eleições ─ que hoje não há um único político na esfera federal cujo discurso represente o liberalismo econômico.
Se hoje houvesse um Macri no Brasil, e ele se candidatasse, certamente seria tachado de “NEOLIBERAL” – palavrão cunhado durante a década de 1990 para descrever, de forma pejorativa, medidas liberais tomadas por Fernando Henrique, como se fossem atitudes reacionárias requentadas (eis o porquê do NEO) – e não lograria sequer participar do segundo turno, por certo. Por isso é tão importante que Temer consiga emplacar tudo que prevê seu plano de governo “Uma Ponte para o Futuro”, pois convenceria muitos incrédulos da importância do “laissez-faire” – em português claro, menos governo e mais indivíduo.
Não podemos manter o PT no governo até que Jesus Cristo reencarne e saia candidato à presidência. Se Temer e seu partido não são detentores de uma ficha limpa, eles representam um avanço, especialmente em termos gerenciais. E se até mesmo setores da direita estão insatisfeitos com a corrente situação, talvez devessem sopesar que, se por um lado o PMDB está promovendo uma liberalização bastante lenta da economia (muito mais por tratar-se de medida imperativa diante do quadro atual do que por eventual convicção), por outro lado é possível que até seja melhor que assim se desenrole o enxugamento do Estado brasileiro. Manobras apressadas nesse sentido costumam render resultados indesejáveis – basta lembrar-se, guardadas as proporções, do que aconteceu na URSS após o “fim” do Comunismo, com espertalhões ficando milionários por meio de algumas canetadas.
O remédio para tirar o Brasil da fossa é amargo, e precisa ser ingerido urgentemente. Se o PMDB não é o médico mais indicado para tratar do paciente enfermo, é o melhor disponível neste momento. Sonhar com mundos impossíveis costuma conduzir a eventos não muito memoráveis.
Quem já assistiu ao reality show The Biggest Looser sabe perfeitamente que, entre o candidato que entra no primeiro dia, mal conseguindo ficar em pé e o esbelto vencedor da final, há vários estágios a serem percorridos. Eu diria que, naquele exemplo proposto no primeiro parágrafo, já estamos com 150 quilos. Já estamos até conseguindo subir escadas! Quem sabe no médio prazo já poderemos até estar correndo uma meia maratona? Mas isso vai exigir muito mais do que preparo aeróbico: vai demandar mudança de mentalidade do eleitor brasileiro.
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