O processo de impeachment, é útil lembrar, começou pelo voto de 72% da Câmara, na acachapante maioria de 367 deputados. A esquálida base governista somou 137 votos, sequer alcançou 27% dos presentes.
Essa “brincadeira com a democracia”, na qualificação do presidente do Senado, teve as digitais do advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo. O principal resultado foi expor como tresloucado seu agente na Câmara, o deputado Waldir Maranhão, que, acusado de abuso de poder, agora deve enfrentar um processo de destituição ou cassação de mandato.
O antigo governo submerge em tumulto, sob o olhar sorridente da presidente Dilma Rousseff e a súbita afonia de Lula.
A nova administração ainda não ascendeu. Pelas vacilações do vice Michel Temer, expostas na semana passada, corre risco de emergir prisioneira de um modo arcaico de fazer política, cujo réquiem vem sendo entoado por multidões nas ruas, há três anos, e a exumação avança nos inquéritos sobre corrupção nas empresas estatais.
A tensão atual é um derivativo da travessia para mudanças impostas à geração de políticos como Lula, Dilma e Temer. Sobram evidências da marcha na transição do convívio coletivo com a impunidade do esbulho dos cofres públicos, em privilégio de poucas e ineficientes empresas, para uma sociedade disposta a premiar com recursos coletivos a iniciativa privada focada na subsistência da competição no mercado.
Nessa perspectiva, ganha relevância o “pedido de desculpas ao povo brasileiro” anunciado ontem pelo grupo Andrade Gutierrez: “Reconhecemos que erros graves foram cometidos e, ao contrário de negá-los, estamos assumindo-os publicamente. Entretanto, um pedido de desculpas, por si só, não basta: é preciso aprender com os erros praticados e, principalmente, atuar firmemente para que não voltem a ocorrer.”
Às três sílabas da palavra (“desculpas”), adicionou o compromisso de indenização de R$ 1 bilhão ao Estado. O valor equivale a US$ 272 milhões, pelo câmbio de ontem, e corresponde a 13,5% da receita líquida da empreiteira. Garante seu lugar entre as dez corporações globais mais penalizadas desde 2008, logo abaixo da francesa Techinp (US$ 338 milhões), acima da japonesa JGC (US$ 218 milhões) e da alemã Daimler (US$ 185 milhões).
Acionistas e executivos da Andrade Gutierrez fizeram a coisa certa, na trilha aberta pela concorrente Camargo Corrêa, primeira entre empreiteiras acusadas nos inquéritos sobre corrupção a aceitar um compromisso judicial para mudar de forma radical as relações com políticos, partidos e governos.
A Andrade Gutierrez diz acreditar que “a Operação Lava-Jato poderá servir como um catalisador para profundas mudanças culturais, que transformem o modo de fazer negócios no país”.
É ótima notícia num ambiente tumultuado por um governo que há muito perdeu a bússola e agora fenece por inanição política.
José Casado
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