Nesse quadro merece destaque a revelação dos chamados Panama Papers, divulgados por um coletivo de profissionais de imprensa — o Consorcio Internacional de Jornalistas Investigativos — a partir do vazamento de farta documentação sobre evasão fiscal, contas de laranjas e movimentação financeira internacional em empresas offshore e paraísos fiscais. No foco, os serviços de uma empresa de advocacia baseada no Panamá, a Mossack Fonseca, que atua em 42 países e emprega mais de 600 pessoas. O dossiê inclui mais de 11,5 milhões de arquivos de mais de 215.000 entidades e ainda levará algum tempo para ser devidamente examinado. Pode haver casos em que a manutenção dessas contas não é criminosa e se dá por razões de herança ou direitos de sucessão, ou por perseguição política no país de origem. Algumas dessas contas podem se explicar por mecanismos de isenção fiscal em determinadas legislações, e não por evasão e tentativas criminosas de enganar os diversos fiscos nacionais. Mas, feitas essas ressalvas, é impossível não constatar que tudo aponta para uma avassaladora maioria de casos de fuga de impostos e ocultação de patrimônio por motivos ligados à ilegalidade — como tráfico de drogas, contrabando de armas, sequestros, corrupção envolvendo políticos e empresas. No meio desse mundo a desbastar e esclarecer, um destaque especial e positivo para o Brasil. Revelou-se que somos o único país do mundo em que as autoridades já estavam oficialmente investigando essa companhia e esses mecanismos. Mérito da Operação Lava-Jato e suas apurações minuciosas envolvendo colaboração internacional, por meio de troca de informações fiscais e financeiras.
Nesse quadro, a lenientíssima Dilma editou uma medida provisória em dezembro, fingindo enfrentar o problema mas, na prática (ah, esses eternos fingimentos), revogando a Lei Anticorrupção em vigor, ao retirar o Ministério Público dos acordos de leniência, que passariam a ser feitos apenas com o Executivo — eventual parte interessada, se acusado de envolvimento no crime. Deveria ser votada até o fim de maio, acrescida de um relatório do deputado Paulo Teixeira, ainda mais bonzinho com as empresas. Agora, deve cair por decurso de prazo, junto com o governo despencado, preocupado em proteger as empreiteiras. Segundo o jurista Modesto Carvalhosa, sua aprovação seria um escândalo legislativo, garantindo a impunidade, esvaziando o Ministério Público e legalizando a corrupção.
No sentido contrário, vimos nos últimos dias uma empreiteira tomar o caminho oposto. A Andrade Gutierrez seguiu os passos da Camargo Corrêa ao fazer um acordo e foi além: se comprometeu a indenizar o Estado em 1 bilhão de reais, e publicou uma nota reconhecendo seus erros e pedindo desculpas. Já imaginaram como tudo poderia ter sido diferente, se o governo tivesse feito algo semelhante, entendendo que não estava acima da lei, assumindo sua responsabilidade, reconhecendo erros, pedindo desculpas, e se dispondo a mudar, em vez de insistir em seu papel de vítima inocente a martelar uma perfeição arrogante?
No sentido contrário, vimos nos últimos dias uma empreiteira tomar o caminho oposto. A Andrade Gutierrez seguiu os passos da Camargo Corrêa ao fazer um acordo e foi além: se comprometeu a indenizar o Estado em 1 bilhão de reais, e publicou uma nota reconhecendo seus erros e pedindo desculpas. Já imaginaram como tudo poderia ter sido diferente, se o governo tivesse feito algo semelhante, entendendo que não estava acima da lei, assumindo sua responsabilidade, reconhecendo erros, pedindo desculpas, e se dispondo a mudar, em vez de insistir em seu papel de vítima inocente a martelar uma perfeição arrogante?
Em momentos carentes de esperança, sinais positivos são bem-vindos. É o caso desse anúncio, como é o caso da eleição de um prefeito muçulmano em Londres, lição de convivência e democracia que os londrinos dão aos radicais de toda parte, ao apostar no desmanche de preconceitos e no desmonte de ódios e polarizações.
Pequenas flores furam o asfalto e brotam tímidas. Que ninguém as esmague, com passos descuidados.
Ana Maria Machado
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