segunda-feira, 25 de abril de 2016

O impeachment que não houve

Quanto mais nosso Gollum presidencial insiste em sua marcha fúnebre de carnaval – “Daqui não saio, daqui ninguém me tira”, em ritmo Tristesse, de Chopin –, mais permite ao país tomar consciência do quão fundo é o buraco em que estamos. Uma diferença crucial entre o processo de impeachment contra Collor e o atual é a existência, a favor de Dilma, do que chamam de uma “base social” a defendê-la.

Collor, de fato, quando suplicou ajuda à sociedade, não teve apoio de ninguém. Também, quem defenderia um governo corrupto? Depende: se ele for do PT, tem quem o faça. Basta ver fotos e vídeos das manifestações em defesa da presidente para se constatar que o público é bem definido, sendo quase na sua integralidade oriundo de sindicatos ou pago por eles, conforme fartamente noticiado. Só o que se vê são balões, camisetas, bonés e bandeiras de entidades sindicais, a quem se somam vários dos chamados “movimentos sociais”, cuja organização e modo de atuação é muito semelhante (se não espelhada) ao modelo sindical.

Ninguém parece ver nisso nada de mais, mas, pela lei, todo e qualquer sindicato tem por fim o estudo, defesa e coordenação dos seus interesses econômicos ou profissionais. Alguém poderia me explicar como a defesa de governos corruptos se enquadra nesses fins? Juristas dirão haver “desvio de finalidade”, pois eu ouso dizer: não, não, eles estão revelando sua finalidade real. Para entender, precisamos retornar a 1954.

O primeiro processo de impeachment na história brasileira aconteceu naquele ano, contra Getúlio Vargas. Uma das razões para tanto foi o fato de Getúlio estar a criar uma “República Sindicalista” no país. Como o pedido não foi aceito, a tal república não só nasceu como cresceu, consolidou-se, pariu Luiz Inácio Lulla da Silva (com “l” dobrado mesmo – ele fez por merecê-lo), tomando o poder em 2003 e nele ficando nos últimos 13 anos. Agora, está nas ruas a defender suas “conquistas”.

Há pouquíssima pesquisa e estudo sobre isso, mas o pouco que existe já ajuda a entender melhor. A doutora em Ciências Políticas Maria Celina D’Araújo, professora da PUC-RJ, realizou uma pesquisa inédita publicada no livro A elite dirigente do governo Lula, lançado em 2009 pela CPDOC/FGV. Nele, chegou a algumas conclusões que falam por si:

“Em nossa pesquisa chamaram a atenção os altos níveis de filiação a sindicatos e ao PT. Temos fortes razões para supor que essa participação tende a ser alta em outros governos, posto que a interface do PT e da CUT com o funcionalismo público é histórica, e que essa é uma categoria com níveis muito altos de sindicalização. Teríamos assim grande probabilidade de, independentemente da filiação partidária do presidente, sempre encontrar entre esses dirigentes provenientes do setor público uma grande massa de sindicalizados e de petistas. Dito de outra forma, os integrantes das carreiras públicas estão majoritariamente filiados a sindicatos e têm preferencialmente adotado o PT, de forma que mesmo que o governo seja de outro partido, a máquina pública irá refletir essa tendência.”

Ou seja, tanto faz quem esteja no governo, lá estará a “República Sindicalista” entranhada. O impeachment de Dilma Rousseff mudará quase nada desse quadro, mas sua teimosia em não largar o osso já teve seu lado bom: obrigou a tal república a revelar sua finalidade real. Dá para entender por que sua criação foi motivo para se pedir o impeachment de Getúlio Vargas, não?

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