quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Pedaladas eleitoraios

Saí de casa no dia 10 de abril de 1984, ao lado daquela que seria a mãe do meu primeiro filho, com destino à Candelária. Um mar de gente ocupava as avenidas Presidente Vargas e Rio Branco. Éramos um milhão de pessoas em catarse cívica, participando do histórico comício das “Diretas Já!”. Naquela época, o campo das esquerdas era disputado entre petistas e brizolistas. Sim, havia uma diferenciação entre siglas e lideranças políticas. Embora o metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva representasse a expressão máxima do Partido dos Trabalhadores, ainda assim a legenda era muito maior do que ele. O mesmo não acontecia com o PDT de Leonel Brizola.

Lembro-me muito bem da fisionomia de alguns militares, vestidos em trajes civis, infiltrados e dispostos a criar confusão. Mas a ordem do comando geral do movimento, para que não houvesse reação às provocações, foi cumprida à risca. E o que se viu foi um banho de cidadania e civismo. Oradores se revezando, lágrimas rolando, uma energia e vibração no ar de tamanha intensidade, que os generais não tinham mais como evitar a retomada do poder pelo povo e para o povo.
Sou tomado por essas lembranças para entender em que momento nós, o povo, perdemos o papel de protagonistas de nossa história. Lutamos tanto pela restauração da democracia, e tudo o que nos restou foi um cheque em branco, que a Justiça Eleitoral convencionou chamar de voto? Aí está a mãe de todas as distorções, que se sucederam, governo após governo, até culminar na desmoralização político-institucional que se vê hoje.

O voto, que deveria estar condicionado ao cumprimento dos compromissos assumidos em troca dessa “moeda”, virou cartão de crédito no bolso do eleito. É nesse ponto que a democracia perde o sentido de bem universal e se transforma em instrumento de poder nas mãos de grupos de assalto.

De Collor a Dilma, o eleitor votou naqueles que apresentaram (?) as melhores propostas. Então, está claro, a escolha foi pelo plano de governo que eles divulgaram em campanha. Por essa perspectiva — a correta, por sinal —, nem precisaria ser necessário flagrar governos chafurdando na lama para legitimar o impeachment. Se a presidente Dilma perder o mandato, que seja por suas pedaladas eleitorais. Do contrário, é trocar seis por meia dúzia.

A sociedade brasileira exige uma democracia de verdade, aquela que saiu do peito do jurista Sobral Pinto, no alto do palanque das Diretas Já: “Todo o poder emana do povo...”. Se governo ou oposição não entenderem esse sentimento, vão continuar brigando pelo poder, sem o respaldo das ruas.
Celso Raeder

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