quinta-feira, 7 de maio de 2015

Bofetada

O macaco foi posto numa prisão especial e interrogado. Fez contrato de delação premiada e hoje, ouvi dizer, passa o dia comendo as mais deliciosas bananas em sua casa

Mamãe me contou essa história.

E, como manda Machado de Assis, a ela acrescentei um ou dois pontos.

Um macaco roubava as bananas (“Musa paradisíaca”, como lhe chamou o sábio Lineu) de um plantador desta fruta sagrada que, de tão brasileira e antiga — corre a lenda que foi comida por Adão e Eva no Jardim do Éden —, virou gesto gostoso e ofensivo, do mesmo modo que a sua casca pode fazer escorregar o poderoso, o prepotente, o boquirroto ou o descuidado. Raro o brasileiro ou brasileira que não tenha dado uma banana ou escorregado na sua casca.

Pois bem, o vasto bananal deixou de ser produtivo porque um macaco senhor de muitas astúcias (dizem que os macacos não falam para não trabalhar) comia as bananas mais maduras e gostosas.

Na defesa do seu bananal, o homem armou sinalizadores, mas eles não funcionaram porque o ladrão era muito esperto. Um dos funcionários da “central de vigilância do bananário” chegou a duvidar da existência do símio, porque ele foi visto em duas telas ao mesmo tempo. Suspeitou-se que o macaco era uma quadrilha, mas o dono tinha certeza absoluta de que se tratava de apenas um macaco, com aquele poderoso espírito de macaco que todos conhecemos: aquela malandragem de ocupar muitos espaços ao mesmo tempo, de se passar por sério sendo bandido, de roubar dizendo que não cometeu nenhum delito.

Com o fracasso do método, o dono do bananal apelou para o sistema antigo: contratou vigias conhecedores natos de macacadas e os postou em lugares estratégicos. Os roubos diminuíram por algumas semanas, mas logo retornaram em níveis assustadores. A grande safra de bananas jamais vista no país, que iria salvar a fazenda e permitir a realização de alguns projetos redentores, teve que ser adiada.

— Como foi possível enganar esses especialistas em macaquices? — questionava o dono do bananal.

— Senhor —respondeu um heroico camponês. — O macaco viciou os vigias e eles passaram a comer juntos as bananas. Cada qual ficava com o seu cacho, com o macaco levando a maior parte.

O homem pensou e de sua cabeça saiu uma ideia. Mandou fazer um boneco de cola que, depois de devidamente vestido de empregado, foi colocado no centro do bananal e cercado de cachos das mais maduras e deliciosas bananas.

O macaco chegou perto do boneco, olhou, gesticulou macaquices e, diante de sua impassividade, perguntou:

— Boneco, posso comer uma banana?

O boneco, obviamente, nada respondeu.

O macaco coçou a cabeça e resolveu ser mais ousado. Chegou perto do boneco e fingiu pegar uma banana. O boneco permanecia imóvel.

Intrigado e, agora, um tanto indignado pela passividade do vigia, o macaco apelou para a agressividade.

— Boneco — disse. — Ou você me dá uma banana, ou eu te dou uma bofetada!

O boneco permaneceu imóvel.

—Boneco — reiterou o macaco com raiva. — Se você não me der uma banana, eu te dou uma bofetada, entendeu?

Olhou para o boneco e este continuava inerte.

Então, o macaco desferiu uma bofetada na cara do boneco e verificou que sua mão ficou colada no intrigante personagem.

— Boneco — reagiu o macaco entre o assustado e o surpreso. — Se você não soltar minha mão direita, dou-lhe uma outra bofetada com a minha mão esquerda.

O boneco continuou mudo só para levar outra bofetada e para o macaco descobrir que suas mãos estavam pregadas.

— Boneco, ou você solta as minhas mãos ou eu lhe dou uma canelada!

Como não houvesse resposta, o macaco chutou o boneco de cola com os pés e agora estava a ele preso pelas mãos e pelas pernas.

— Solta-me, ou te dou uma barrigada!

— Solta-me ou te dou uma cabeçada!

Apelou o macaco desesperado, a essas alturas misturado ao boneco a ponto da indistinção.

Macaco e boneco de cola passaram a noite agarrados um ao outro, dizia mamãe com sua voz maviosa olhando para cada um dos dez olhos dos seus cinco filhinhos, nos quais brilhava a luz da curiosidade.

A antiga curiosidade que acompanha a Humanidade na sua jornada para a honestidade ou para o mero roubo das bananas que ela tanto aprecia.

Dois ou três dias depois, o fazendeiro encontrou o macaco ladrão, que foi, à custa de muito trabalho, separado do boneco. Queria puni-lo com uma sova, mas as autoridades locais invocaram as leis que protegiam os animais. O macaco foi posto numa prisão especial e interrogado. Fez um contrato de delação premiada e hoje, ouvi dizer, passa o dia comendo as mais deliciosas bananas em sua bela residência no topo de uma mangueira.

Tudo o que você faz cola em você — terminava mamãe.

Roberto DaMatta 

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