terça-feira, 3 de março de 2015

Corpo estranho à língua portuguesa

Guiné Equatorial já havia feito algo espantoso: entrou para a Comunidade dos Povos de Língua Portuguesa, com o apoio do Brasil. Mas lá não se fala português
Não basta ficar boquiaberto com o fato de que a Guiné Equatorial financiou a Beija-Flor. Nem basta discutir (veladamente) a relação entre samba e ética. Discussão, aliás, complicada. Pois os donos do jogo do bicho financiam várias escolas, inclusive a vencedora de 2015, a Beija-Flor.

Essa discussão pode, no entanto, iluminar nosso comportamento sociocultural a partir de duas observações. A primeira: haveria alguma relação entre esse financiamento e os escândalos do mensalão e do petrolão? Haveria alguma consonância entre dar propinas, a existência das milícias, o ato de ultrapassar pelo acostamento e esse financiamento?

Para tornar a coisa mais complexa, adianto uma segunda informação perturbadora. A Guiné Equatorial apenas descobriu que o samba estava à venda. Antes, já havia feito algo espantoso: entrou para Comunidade dos Povos de Língua Portuguesa (CPLP), com o apoio do Brasil. No país não se fala português. Mas o ditador que está lá há 35 anos pode ter pensando: se não é necessário falar o português para pertencer à CPLP, por que não chegar ao Sambódromo?

“Com a entrada da Guiné Equatorial na CPLP, consumou-se a despudorada violação dos seus princípios e de valores constitutivos”, diz José Carlos Vasconcelos num editoral no “Jornal de Letras” (do grupo Visão, de Portugal).

O ensaísta Eduardo Lourenço (Prêmio Camões, 1996), num artigo intitulado “No que a CPLP se transformou”, publicado há quatro anos, quando a Guiné Equatorial, pela primeira vez, quis ser admitida como membro na CPLP, disse que a organização não poderia sucumbir aos interesses econômicos e estava se transformando “numa versão africana do tonel das Danaides, preciosa água escorrendo em vão para lado nenhum”.

O Brasil faz parte da CPLP e na reunião em que isso foi aprovado o representante brasileiro era João Augusto Medicis.

A imprensa portuguesa tem dado destaque ao assunto. No Brasil não se fala disto.

Leia mais o artigo de Affonso Romano de Sant’Anna

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