sábado, 24 de janeiro de 2015

Os brasileiros e o complexo de vira-latas


É antológica a crônica do grande Nelson Rodrigues a propósito do futebol e do complexo de vira-latas dos brasileiros: quando a seleção de 1958 partiu para a Suécia, ele escreveu sobre o efeito trágico da trágica derrota da seleção de 1950 para o Uruguai, em pleno Maracanã, quando bastava um mero empate. Tinha sido a primeira Copa do Mundo realizada no Brasil. Aliás, não damos sorte quando somos os anfitriões: basta lembrar o vexaminoso 7 a 1 para a Alemanha no ano passado, no Mineirão.

Vou usar a famosa frase noutro sentido: estou me sentindo uma vira-lata com o silêncio que se abateu sobre o país, vindo de toda parte, dos economistas, dos analistas, do governo, do povão – e todos nós – sobre a saída de fininho do ex-ministro Guido Mantega, sem passar o cargo e sem nos dar nenhuma explicação acerca da crise que se abateu sobre o país. Em minha memória ainda vive o momento, no governo Lula, em que Dilma praticamente ganhou a disputa para ser a sucessora, classificando de “rudimentar” a proposta de condução da economia apresentada em conjunto por Paulo Bernardo, na época no Planejamento, e Antonio Palocci em reunião do ministério com o presidente. Não sei por que e o que ela chamou de “rudimentar”. Só sei que, sob sua batuta, cresceu a proposta já apresentada por Mantega, sob a forma de PPA, Plano Plurianual, logo no início do primeiro governo Lula, em 2003, e que, na época, me pareceu totalmente estapafúrdia, vis-à-vis o domínio do modelo de macroeconomia capitaneado por Palocci e sua turma. Na turma, já estava Joaquim Levy, guindado agora a capitão do time de Dilma em seu segundo governo.

Nem ela, nem ninguém – ao que eu saiba – deu uma palavra para explicar o que estava errado no propósito de criar um “amplo mercado de massas”, via crédito e subsídios, para os que não tinham como ter acesso às mercadorias de ponta fabricadas no Brasil (automóveis, motos, linha branca, computadores, televisões etc.) pelos chamados “campeões nacionais”, grupos empresariais, escolhidos sabe-se lá por quais critérios e financiados pelo BNDES, como se esse banco de fomento fosse um mecenas a patrocinar grandes artistas... Não deu certo. Os salários dos “de baixo” subiram, a classe média tem agora outros segmentos, média-baixa e média-média, mas a desigualdade continua, com os muito ricos mais ricos ainda e os que vivem do salário disputando feito loucos o direito de comprar o que se vende nos shoppings da vida. E a consequência são black blocs, rolezinhos, quebra-quebras nas grandes cidades. E a presidente, que anunciou o novo lema de seu governo, “Brasil, pátria educadora”, não dá uma palavra acerca do fato de que o primeiro contingenciamento anunciado pela nova equipe econômica incide preferencialmente sobre o Ministério da Educação, além da Defesa e das Cidades (onde fica, também, a promessa de melhor mobilidade urbana, supostamente afeta a essa pasta)?

Ficam aí a pergunta e o sentimento de ser uma vira-lata para quem quiser compartilhar comigo
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