segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Tornar os países pequenos outra vez

Por mais revisões ou releituras que se façam da História, ninguém no seu perfeito juízo pode acusar o ex-Presidente dos EUA Ronald Reagan de ter sido um perigoso esquerdista. Ele foi, isso sim, conhecido por ser um exímio comunicador dos ideais conservadores. E o homem que ganhou fama como ator em Hollywood antes de chegar à Casa Branca também é lembrado, mesmo por muitos dos seus adversários, pelo seu pragmatismo político – aquele que lhe permitiu, por exemplo, manter uma relação cordial e amistosa com Mikhail Gorbachev, essencial para o fim da Guerra Fria e para a concretização do seu objetivo de fazer dos EUA, no seu tempo, a grande potência hegemónica do planeta.

Foi com essa convicção de dever cumprido que Ronald Reagan se despediu da Presidência, a 19 de janeiro de 1989, com um discurso marcante que agora pode ser lido no site da biblioteca com o seu nome – onde somos recebidos com o aviso de que alguns dos serviços estão agora encerrados, devido ao shutdown, que afeta a administração Trump.

Nesse discurso, o conservador Reagan foi claro no “pensamento final” que pretendeu transmitir. E identificou “a fonte principal” que, na sua opinião, mais contribuiu para a grandeza da América. Fê-lo de forma clara e eloquente: “Lideramos o mundo porque, de forma singular entre as nações, recrutamos o nosso povo – a nossa força – em todos os países e em todos os cantos do mundo. E, ao fazê-lo, renovamos e enriquecemos continuamente a nossa nação.”

Para Ronald Reagan, um otimista inveterado, a América iria continuar a ser “grande” desde que soubesse “dar vida aos sonhos”, em claro contraste com “os países que se apegam a um passado obsoleto”.

“Graças a cada vaga de novos imigrantes que desembarca nesta terra de oportunidades, somos uma nação eternamente jovem, sempre a transbordar de energia e de novas ideias, sempre na vanguarda, sempre na liderança mundial rumo à próxima fronteira”, afirmou ainda Reagan nesse discurso de despedida. Com um aviso para o futuro: “Se algum dia fecharmos as portas para novos americanos, perderemos de imediato a nossa liderança mundial.”

Se quisermos perceber como mudou o Partido Republicano, desde Ronald Reagan até Donald Trump, este discurso é absolutamente elucidativo. Revela, em comparação com o que é hoje a retórica oficial de Washington, duas visões sobre a América e sobre o mundo. E demonstra que, como a História nos ensina, as campanhas contra a imigração, que povoam todos os discursos populistas de hoje, não são baseadas no conhecimento nem na razão. Servem unicamente como peças de propaganda, destinadas a criar divisões irreconciliáveis na sociedade, a abalar a confiança nas instituições, a espalhar o medo e, com isso, a abrir caminho para o poder ditatorial, como única forma de restabelecer uma “ordem” que, à custa da mentira e da desinformação, grande parte da população perceciona como estando destruída.

É incrível ver, agora à distância, como Reagan e Trump parecem de partidos diferentes, em relação à imigração. E como um mesmo slogan usado pelos dois – tornar a América grande outra vez – pode ganhar significados distintos.

O pior, no entanto, é o efeito de contágio no resto do mundo. Passámos de um tempo em que os partidos conservadores tinham uma visão otimista sobre a imigração – essencial, por exemplo, para o desenvolvimento económico, social e tecnológico de muitos países, incluindo na Europa – para uma época em que, com receio do crescimento dos populistas, os mesmos partidos do centro-direita dão guinadas para o extremismo, só para tentarem manter ou recuperar o eleitorado que foi manietado pelo medo do “outro”.

E essa é uma das maiores tragédias dos nossos dias, numa sociedade cada mais intolerante e polarizada, dominada pela ditadura invisível dos algoritmos e em que até os valores humanistas são considerados retrógrados ou ultrapassados e, portanto, facilmente substituíveis por uma qualquer Inteligência Artificial – que não se queixa, trabalha as horas que forem precisas e… não precisa de autorização de residência. É assim que, sem o perceberem, os países ficam, afinal, mais pequenos, outra vez
Rui Tavares Guedes

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