Um levantamento concluído recentemente sobre o que circula nos grupos públicos do aplicativo oferece uma visão rara e incômoda desse ecossistema. As mensagens mais compartilhadas no WhatsApp não refletem apenas a variedade do cotidiano brasileiro, mas revelam uma convivência inquietante entre o trivial e o extremo. O “bom dia” e a receita de bolo dividem espaço com vídeos de violência explícita, cenas pornográficas, apostas ilegais e campanhas de desinformação que minam a confiança nas instituições democráticas. A política, como tema e pulsão, é onipresente. As discussões sobre o Supremo Tribunal Federal, as teorias de fraude eleitoral e os ataques à legitimidade do governo formam uma paisagem digital que se repete com variações sutis, mas efeitos duradouros sobre o imaginário coletivo.
Nesse cenário, o vídeo tornou-se o veículo preferencial das emoções e da manipulação. Sua força está na aparência de evidência: o que é visto parece ser incontestável. É também o formato que mais viraliza, pela facilidade de consumo, pelo impacto visual e pelo potencial de despertar respostas imediatas. Quando uma mentira assume forma audiovisual, ela ganha não apenas velocidade, mas textura e convicção. A desinformação, que antes se apoiava em textos ou imagens estáticas, hoje se move com fluidez cinematográfica.
A análise das mensagens mostra que os grupos politicamente alinhados à direita são, em número e intensidade, muito mais ativos na disseminação de conteúdos ultravirais. Essa assimetria ajuda a explicar por que certas narrativas encontram terreno fértil para se multiplicar. Trata-se de uma infraestrutura organizada e resiliente, que opera de modo descentralizado e emocional, transformando o aplicativo em um sistema de ressonância política permanente. A esquerda também circula nesse espaço, mas em escala significativamente menor, o que evidencia uma desigualdade estrutural na capacidade de mobilização digital.
Os temas que mais provocam dúvida entre os usuários não são triviais. Eles tocam no coração do pacto social: política nacional, benefícios sociais, economia e saúde pública. O boato sobre a taxação do Pix, que inundou o WhatsApp em janeiro de 2025, é exemplar. Ele revela como a desinformação se infiltra por frestas de ansiedade coletiva, convertendo preocupações legítimas em pânico moral e desconfiança institucional. A mentira, nesse contexto, não é apenas um erro factual: é um instrumento de erosão da confiança.
Há também um componente de espetáculo e perversão no consumo de conteúdos sensíveis. Vídeos de linchamentos, execuções e agressões reais circulam em escala perturbadora. Essa exploração da violência, compartilhada em grupos públicos, fala menos sobre curiosidade e mais sobre anestesia. A repetição de imagens brutais não apenas normaliza o horror, mas redefine o limiar do aceitável. No mesmo espaço em que se multiplicam mensagens de fé e esperança, consolida-se uma pedagogia do medo e da descrença.
O retrato que emerge desse universo sugere que o WhatsApp se tornou, mais do que uma ferramenta, uma arquitetura emocional da vida pública brasileira. O que circula ali espelha o que nos mobiliza, o que nos assusta e o que nos divide. Monitorar esse espaço não é uma questão de censura, mas de cidadania digital.
É preciso compreender que o aplicativo não é apenas um espelho da sociedade, mas um amplificador de suas distorções, e que enfrentá-las exige mais do que tecnologia: requer educação midiática, políticas de transparência e um jornalismo atento ao que acontece fora dos holofotes das grandes plataformas. A tarefa de reconstruir a confiança pública começa por iluminar o que hoje opera na penumbra. Entender o WhatsApp é entender o Brasil, um país que conversa, se informa e se desinforma no mesmo espaço, com a mesma intensidade.

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