domingo, 16 de novembro de 2025

A nova vergonha: Quando o ódio tem wi-fi…

“A violência contra as mulheres já não se esconde. Está online. Ri-se em público. E tem fãs. O que devia chocar, diverte. O que devia ser crime, viraliza. O que devia ser punição, é conteúdo.”

Há uma violência que cresce em silêncio, mas à vista de todos. Não se ouve nos tribunais, não deixa nódoas negras, não chega à esquadra. Vive dentro de um ecrã. Respira em comentários. Propaga-se em partilhas e vídeos que se tornam virais.

É o ódio digital. E o mais assustador é que já não se esconde. Ri-se, tem público, faz likes.


Os novos agressores já não usam força física. Usam palavras, câmaras e redes. Usam o telemóvel como arma e a internet como plateia.

São miúdos. Alguns ainda nem são adultos. Crescem a ouvir que ser homem é dominar e ser mulher é provocar. Aprendem em fóruns escondidos que o problema não é a violência, é a recusa. Que o corpo das mulheres é uma dívida, não um limite.

Chamam-se incels, um nome que parece inofensivo mas que carrega raiva. São jovens que se dizem celibatários involuntários e que culpam as mulheres por isso. Transformam a frustração em ideologia e a rejeição em discurso de ódio. Entre memes, vídeos e piadas, normalizam a ideia de que as mulheres merecem castigo.

E há quem ache que isto é exagero. Não é. Há fóruns inteiros dedicados a ensinar rapazes a controlar, a humilhar, a vingar. Há vídeos com milhões de visualizações onde se explica que elas pedem respeito mas não o merecem. Há adolescentes que acham que filmar, partilhar e expor é apenas uma brincadeira. Não é. É crime. O artigo 199º do Código Penal é claro. Divulgar imagens íntimas sem consentimento é punido com prisão até cinco anos. Mas quando o autor tem dezasseis ou dezassete anos, o sistema hesita. A lei tutelar educativa fala em reeducação, em reintegração, em proteção. Mas quem protege as vítimas? Quem apaga os vídeos? Quem limpa a vergonha de uma rapariga cuja intimidade foi vista por toda a escola?

A imaturidade pode explicar, mas não absolve. Um miúdo que grava e partilha sabe o que faz. Sabe que humilha. Sabe que destrói. E mesmo assim faz.

E quando o tribunal decide, já passou tempo demais. O vídeo já circulou. O dano já se tornou permanente. A justiça chega tarde e chega fria. E a vítima fica sozinha a tentar continuar uma vida que nunca mais será a mesma.

Vivemos num país onde a lei é exemplar, mas a prática é tímida. Onde o crime é punido, mas o sofrimento é esquecido. Onde o sistema trata a violência digital como se fosse menos grave por não deixar sangue. Mas há feridas que o corpo não mostra.

As redes correm à velocidade da luz. A justiça move-se à velocidade do papel. Enquanto o processo anda, a dor multiplica-se em partilhas. O vídeo nunca desaparece. O insulto nunca é esquecido. E o silêncio ganha espaço.

As escolas não ensinam empatia digital. Os pais acham que são coisas de internet. O Estado continua a olhar para o lado. E as plataformas fingem que não veem. Entretanto, cresce uma geração inteira a acreditar que o respeito é opcional.

O Direito tem de acordar. Tem de reagir com firmeza e com pressa. Tem de proteger antes que destrua. Tem de punir sem hesitar. E tem de ensinar o que parece esquecido, que a dignidade não se negoceia.

A violência contra as mulheres já não se esconde. Está online. Ri-se em público. E tem fãs.

O que devia chocar, diverte. O que devia ser crime, viraliza. O que devia ser punição, é conteúdo.

Não é a violência que aumentou. É a vergonha que desapareceu. E quando a vergonha desaparece, o que vem depois já não é sociedade. É sobrevivência.

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