sexta-feira, 24 de outubro de 2025

No caixote do lixo da História

“Por favor, apaga as imagens políticas horríveis que partilhei contigo, infelizmente ainda temos de voltar aos EUA.” Final da tarde de sábado, 18, em Portugal e o meu interlocutor no WhatsApp lembrava-se de que Donald Trump é um “agente laranja intocável” e que o Big Brother pode estar sempre a observar-nos.

Dois minutos antes, eu rira-me à gargalhada com os dois cartoons que me enviara. Num deles, Trump aparece mascarado de Mickey, de chupeta na boca e pistola na mão, orgulhoso de um cocó. No outro, o inquilino da Casa Branca está sentado no edifício do Capitólio feito retrete, preparando-se para usar papel higiénico com a bandeira dos Estados Unidos impressa.

Dentro de pouco tempo, este meu amigo e a sua mulher vão ter de sair de Portugal porque ainda não obtiveram a autorização de residência. Logo que possível, contam regressar ao País onde vieram procurar refúgio a seguir à tomada de posse da segunda Administração Trump. Mas, enquanto não estiverem escudados legalmente, todo o cuidado é pouco, lembram amiúde.


É uma amizade recente, esta, nascida por causa de um artigo a que demos capa na VISÃO, no início de fevereiro, sobre “refugiados de Trump” que aqui foram chegando nos últimos meses. Tudo pessoas que se sentem indignadas com o rumo do seu País e confessam ter vergonha de se dizerem norte-americanas.

Manhã de domingo, 19. Quando acordei, já tinha uma nova mensagem no grupo de WhatsApp criado por um outro casal também entrevistado para o mesmo artigo e também temporariamente de volta aos EUA: “Viste as manifestações? Nós não podíamos faltar!”

Nesse grupo, predeterminámos que as mensagens desaparecem ao fim de pouco tempo. Eu não tenho nada a perder com o que ali partilhamos; eles confessam algum receio, mas que não os travou de participarem no megaprotesto No Kings (sem reis) que, no sábado, 18, encheu de gente as principais cidades norte-americanas, pequenas vilas e subúrbios.

Não os travou a eles nem aos milhares de pessoas, de todas as idades, que se manifestaram contra a Administração Trump, a empurrar carrinhos de bebé, em cadeiras de rodas, de cães pela trela e cartazes alusivos (“Ninguém está a comer cães”), num ambiente festivo onde não faltaram as piadas. Foram mais de 2 600 manifestações, um pouco por todo o país, sem relatos de ilegalidades ou violência.

“Queremos expulsar o fascista Donald Trump e mandá-lo para onde ele pertence – direto para o lixo da História”, tinham anunciado os organizadores do No Kings. “Ele é a personificação do motivo pelo qual a 25ª Emenda e o impeachment [destituição] foram criados. Se o Congresso tivesse coragem, ele seria relegado para o caixote do lixo da História”, já defendera Bruce Springsteen, numa entrevista à Time.

O que talvez ninguém esperasse era ver Trump publicar na Truth Social um vídeo gerado por IA em que aparece de coroa na cabeça, a pilotar um caça e a deitar cocó sobre os manifestantes. Aconteceu logo na noite de sábado e escrevi “talvez”, embora já se espere tudo dele – sobretudo cocó e (suposto) humor para disfarçar mais uma ação de propaganda.

Transformar a violência num meme faz com que as pessoas deixem de a ver como violência, sabem de cor os ditadores.

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