Dois minutos antes, eu rira-me à gargalhada com os dois cartoons que me enviara. Num deles, Trump aparece mascarado de Mickey, de chupeta na boca e pistola na mão, orgulhoso de um cocó. No outro, o inquilino da Casa Branca está sentado no edifício do Capitólio feito retrete, preparando-se para usar papel higiénico com a bandeira dos Estados Unidos impressa.
Dentro de pouco tempo, este meu amigo e a sua mulher vão ter de sair de Portugal porque ainda não obtiveram a autorização de residência. Logo que possível, contam regressar ao País onde vieram procurar refúgio a seguir à tomada de posse da segunda Administração Trump. Mas, enquanto não estiverem escudados legalmente, todo o cuidado é pouco, lembram amiúde.
É uma amizade recente, esta, nascida por causa de um artigo a que demos capa na VISÃO, no início de fevereiro, sobre “refugiados de Trump” que aqui foram chegando nos últimos meses. Tudo pessoas que se sentem indignadas com o rumo do seu País e confessam ter vergonha de se dizerem norte-americanas.
Manhã de domingo, 19. Quando acordei, já tinha uma nova mensagem no grupo de WhatsApp criado por um outro casal também entrevistado para o mesmo artigo e também temporariamente de volta aos EUA: “Viste as manifestações? Nós não podíamos faltar!”
Nesse grupo, predeterminámos que as mensagens desaparecem ao fim de pouco tempo. Eu não tenho nada a perder com o que ali partilhamos; eles confessam algum receio, mas que não os travou de participarem no megaprotesto No Kings (sem reis) que, no sábado, 18, encheu de gente as principais cidades norte-americanas, pequenas vilas e subúrbios.
Não os travou a eles nem aos milhares de pessoas, de todas as idades, que se manifestaram contra a Administração Trump, a empurrar carrinhos de bebé, em cadeiras de rodas, de cães pela trela e cartazes alusivos (“Ninguém está a comer cães”), num ambiente festivo onde não faltaram as piadas. Foram mais de 2 600 manifestações, um pouco por todo o país, sem relatos de ilegalidades ou violência.
“Queremos expulsar o fascista Donald Trump e mandá-lo para onde ele pertence – direto para o lixo da História”, tinham anunciado os organizadores do No Kings. “Ele é a personificação do motivo pelo qual a 25ª Emenda e o impeachment [destituição] foram criados. Se o Congresso tivesse coragem, ele seria relegado para o caixote do lixo da História”, já defendera Bruce Springsteen, numa entrevista à Time.
O que talvez ninguém esperasse era ver Trump publicar na Truth Social um vídeo gerado por IA em que aparece de coroa na cabeça, a pilotar um caça e a deitar cocó sobre os manifestantes. Aconteceu logo na noite de sábado e escrevi “talvez”, embora já se espere tudo dele – sobretudo cocó e (suposto) humor para disfarçar mais uma ação de propaganda.
Transformar a violência num meme faz com que as pessoas deixem de a ver como violência, sabem de cor os ditadores.

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