segunda-feira, 25 de agosto de 2025

Clássico mostrou que o fascismo pode brotar na democracia

Este ano completa-se o 75º aniversário de "A Personalidade Autoritária", obra monumental publicada em 1950 por Adorno, Frenkel-Brunswik, Levinson e Sanford, que inaugurou uma agenda de pesquisa ainda atual sobre intolerância política e as bases psicológicas do autoritarismo.

Pela primeira vez, psicanálise, psicologia e sociologia foram mobilizadas de modo integrado para enfrentar uma questão que, tanto no pós-guerra quanto hoje, se impõe com urgência: como sociedades democráticas podem gerar cidadãos predispostos a aderir a ideologias autoritárias.

A primeira grande inovação foi a virada copernicana que deslocou o centro da análise. Em vez de estudar a ideologia fascista —seus movimentos sociais, discursos, partidos e programas—, os autores voltaram-se aos indivíduos e às suas atitudes, isto é, às disposições subjetivas que estruturam o modo como as pessoas percebem o mundo social.

As atitudes autoritárias, sustentam, correlacionam-se de forma estável em um conjunto recorrente de sintomas psicológicos e sociais: conformismo, submissão à autoridade, intolerância à ambiguidade, agressividade contra grupos minoritários, rigidez moral e preconceito. Não é preciso militância aberta: basta que essas disposições, formadas desde a infância, estejam latentes.


Para compreender por que alguém tende a manter posições coerentes, é necessária uma estrutura subjetiva que garanta essa permanência relativa —a personalidade. Ela organiza predisposições e dá unidade ao comportamento, filtra os apelos da propaganda e reage às circunstâncias. Daí a diferença pessoal na suscetibilidade ao autoritarismo. Por outro lado, certas condições sociais e apelos externos podem ativar as disposições autoritárias, com risco real de uma tempestade perfeita.

A segunda inovação foi conceber o fascismo não como uma anomalia histórica confinada à Europa de Benito Mussolini ou Adolf Hitler, mas como uma expressão extrema de algo inscrito na vida social ordinária, inclusive em democracias estáveis. A pesquisa mostrou que determinados traços apareciam juntos de forma consistente, mesmo em indivíduos sem engajamento político explícito, como etnocentrismo, convencionalismo, superstição, submissão à autoridade do grupo de pertencimento e agressividade moralizada.

O valor da descoberta não estava em diagnosticar fascistas concretos, mas em revelar que existia um padrão de personalidade que podia ser mobilizado em condições políticas propícias. A ameaça não desapareceu com a derrota militar de 1945, mas permanecia viva em disposições latentes capazes de se atualizar a qualquer momento.

A terceira inovação consistiu no desenvolvimento de instrumentos metodológicos inéditos para captar esse padrão. O mais famoso foi um questionário para pesquisas de opinião, a "Escala F" (de fascismo), elaborada em sucessivas versões e combinado a entrevistas clínicas e testes projetivos. O questionário não detectava "fascistas" em sentido estrito, porque não havia grupo de controle de fascistas reais. O que oferecia era algo mais sutil e mais perturbador: a demonstração de que atitudes autoritárias aparentemente dispersas estavam, na verdade, fortemente correlacionadas e formavam uma constelação.

A escala mostrava como elas não se distribuíam ao acaso, mas se reuniam em torno de uma estrutura de personalidade que predispunha ao autoritarismo. A inovação decisiva foi transformar diagnósticos sociopolíticos em instrumentos replicáveis para medir a suscetibilidade de pessoas e grupos ao extremismo autoritário.

A escolha dos termos também foi significativa. Chamá-la de "Escala F" preservava a referência normativa ao fascismo como ameaça concreta, mas intitular o livro "A Personalidade Autoritária" ampliava o horizonte, indicando que não se tratava apenas de estudar o já derrotado fascismo europeu. O conceito de autoritarismo permitia generalizar a investigação e sugeria que regimes semelhantes poderiam emergir em qualquer sociedade.

Setenta e cinco anos depois, o alerta desses autores segue atual. Em todo o mundo, democracias enfrentam a ascensão da extrema direita e de novas formas de intolerância, como o avanço do autoritarismo progressista em nome da defesa de identidades. O livro de 1950 continua a lembrar que as democracias precisam se defender não só de inimigos externos, mas também dos impulsos autoritários que brotam de dentro da vida social e da própria personalidade dos cidadãos. Essa é a sua força duradoura: mostrar que o autoritarismo não é acidente histórico, mas risco permanente.

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