segunda-feira, 25 de agosto de 2025

O Big Brother e a Casa dos Segredos

O Big Brother e a Casa dos Segredos não são sobre privacidade, mas sobre segredo. Os concorrentes sabem estar a ser observados e “atuam” para o público. O programa pode causar-nos desconforto e ser alvo de crítica por explorar a situação económica dos concorrentes, mas não torna o público um “intruso” ou “voyeur”. No caso do intruso, a vítima desconhece estar a ser observada e vê, por isso, a sua privacidade invadida. O espaço é exclusivamente seu e, sobre o qual, tem uma expectativa de, para terceiros, não ser criada qualquer informação.

A perguntas intrusivas sobre a nossa intimidade, não respondemos “é segredo”, mas sim “é privado”.

Sentimos a violação do nosso espaço pessoal, ainda que o “voyeur” nunca venha a partilhar com ninguém o que viu. O facto de um terceiro observar – num momento que assumíamos como pessoal – e criar uma imagem na sua mente (seja lasciva ou não) cria-nos desconforto, asco.


A violação da privacidade foi o principal instrumento utilizado pela elite da Alemanha Democrática para se manter no poder. Aquando da queda do Muro de Berlim, em 1989, a Stasi tinha mais de 90 mil funcionários e 180 mil colaboradores, com acesso ilimitado a todos os registos e a meios de obtenção intrusiva de informação: escutas, fotografias… A perceção de uma vigilância constante erodia a confiança no outro e contribuía, de forma efetiva, para silenciar pensamentos dissidentes.

Na sociedade da hiperconetividade e da informação, tudo o que fazemos, online ou em interação com equipamentos ligados à web (carros, eletrodomésticos…) é convertido em dados. Informação sobre a qual o algoritmo – e quem os controla – infere quem somos, o que desejamos, o que tememos.

Quando se afirma “não tenho nada a esconder, não me incomoda que recolham os meus dados”, e respondemos “todos temos algo a esconder”, capitulamos à propaganda da vigilância, e confundimos “privacidade” com “segredo”. Sem privacidade não temos um espaço nosso, longe da vigilância de terceiros. Privacidade é vital ao desenvolvimento e ao bem-estar humano, da mesma forma que o são a liberdade e a possibilidade de participarmos no espaço público. Um espaço seguro onde podemos descansar, pensar e crescer.

A legislação atual, ao focar-se na recolha de informação e no controlo sobre a mesma, não protege de forma efetiva e plena o nosso espaço privado, sobre o qual deveríamos ter o direito de não ser criada qualquer informação.

Hoje, a recolha massiva de dados, ou a possibilidade de o fazer, cria uma perceção de vigilância constante. Uma prisão virtual, para a qual já alertava Michel Foucault, no livro Vigiar e Punir, no qual comparava os sistemas de arquivo do Estado moderno e as suas instituições com a prisão panótica, proposta pelo filósofo do séc. XVIII Jeremy Bentham. O edifício-prisão panótico é uma estrutura em círculo com um ponto de observação central, de onde o guarda pode vigiar os presos, atrás de persianas. Os presos nunca podem realmente ter a certeza de haver alguém na torre, mas essa possibilidade tolhe o seu comportamento e induz a disciplina.

Ainda que fisicamente sozinhos, não nos sentimos em privado se, ao fazermos uma pesquisa na net, o Google (ou qualquer outra app) recolher (como recolhe) os nossos dados. A legislação ao permitir a recolha massiva de dados, ao invés de a impedir e de impor o seu imediato apagamento, não valoriza a privacidade e limita-se a regular a utilização de um bem. Trata a privacidade como segredo, como um bem económico, que trocamos por um serviço. Impõe-se proteger o valor da privacidade, ainda que tal implique pagar pela utilização de motores de busca, Large Language Models (como o ChatGPT) ou redes sociais. Importa assegurar que não somos meros produtores de dados e consumidores, prontos a ser vendidos a quem pague mais, mas cidadãos com direitos e deveres.

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