quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Aristóteles e aquela coisa da perceção

O Observatório de Segurança e Defesa (OS&D) da SEDES levou a cabo um estudo, realizado entre 2000 e 2024, onde conclui que o número de crimes registados diminuiu 1,3 por cento. Apesar disso, a referência à criminalidade nas primeiras páginas dos principais jornais nacionais aumentou 130%, o que demonstra uma discrepância brutal entre a criminalidade participada e a perceção pública da insegurança. O relatório de 2025 da SEDES conclui assim que este contraste contribui para o processo de destruição da confiança nas instituições.

O relatório alerta não apenas para esta profunda discrepância mas também para outro facto bem revelador de persistência mediática: “Um crime ficava nas notícias 2,6 dias. Agora, são mais de quatro dias.” Importa, portanto, tentar compreender a razão de ser desta aparentemente estranha situação.

Não apenas noticiar mas dissecar até à exaustão todo e qualquer crime, em especial aqueles que apresentam contornos mais hediondos, por parte da imprensa mas sobretudo das televisões, com particular incidência nos canais de notícias por cabo, é o pão nosso de cada dia. Pode-se admitir que tal se deve à ideia de que as audiências gostam de sangue, uma necessidade humana que se atesta desde sempre, como nos tempos do império romano, quando o povo apreciava presenciar lutas de morte entre gladiadores, no Coliseu de Roma e cristãos atirados às feras.


As redes sociais vieram desafiar a prática do jornalismo sério, enquanto mediação comunicacional, cujos profissionais estão sujeitos a um código deontológico, incluem o contraditório e pugnam pela imparcialidade. Ao contrário, as redes sociais limitam-se a propagar falsidades, não verificam os factos, não exercem o direito ao contraditório e não apresentam quaisquer pruridos éticos, tendo apenas como alvo estimular o algoritmo, as visualizações, os likes e as partilhas. Para não falar das contas falsas criadas apenas para propalar a mentira. Em consequência, algum jornalismo deixou-se afetar, nalguns casos, alterando as suas orientações editoriais e trocando a confirmação dos factos, a seriedade das fontes e o objetivo de informar de forma isenta, que sempre constaram do seu ADN, pela voracidade do imediato e a espuma dos dias.

Mas o facto é que a cobertura mediática excessiva da violência, guerra e crime muitas vezes decorre de algumas intervenções políticas, em particular de partidos que utilizam a criminalidade como arma política, levando de arrasto a comunicação social e gerando assim uma falsa perceção de insegurança e um sentimento de medo. Segundo um porta-voz daquela associação, “as redes sociais são um vetor de insegurança por desinformação”. Esse ruído comunicacional origina inevitavelmente especulação, tendência para o justicialismo e o discurso securitário, que vão depois alimentar todos os populismos de esquerda e direita.

A tão badalada perceção subjetiva de insegurança que os cidadãos experienciam, e que mina a confiança nas instituições democráticas e no estado de direito, contribui ainda para comprometer o desenho, desenvolvimento e eficácia das políticas públicas, levando governos e instituições da administração a agir em nome de perceções e não dos factos em si mesmos. Schopenhauer sabia que “O primeiro passo no caminho do pensamento crítico é entendermos que a percetibilidade de algo não implica a existência desse algo”.

Até mesmo os fenómenos que divergem das tradições, usos e costumes da ordem social contribuem para a perceção individual da insegurança, em particular nos indivíduos mais velhos.

Uma vez que a segurança é essencial para o desenvolvimento harmonioso duma sociedade, é óbvio que a informação ocupa lugar central nessa matéria, na medida em que pode estimular a barbárie ou o civismo.

Aristóteles dizia que “O valor fundamental da vida depende da perceção e do poder de contemplação ao invés da mera sobrevivência.” O mal é que muitos andam apenas a tentar sobreviver em vez de afinarem as suas perceções, recebendo sem critério todo o lixo que lhes impingem.

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