Logo depois daquela vitória, em 1945, a criação da ONU, juntando todos os países do mundo para garantir a paz, tomar medidas sobre as grandes questões universais e ajudar ao desenvolvimento, foi uma grande conquista e representou uma grande esperança. Mas o cumprimento do Direito Internacional constituía pressuposto essencial para a prossecução do seu primeiro objetivo. E o desprezo pelas normas desse Direito foi sendo cada vez maior e mais grave, sem a ONU ter meios para o impedir ou sancionar.
E assim chegamos aonde chegamos. Não por acaso sendo Israel o país que na ONU ao longo dos anos mais decisões violou e recomendações incumpriu. Agora, o genocídio em Gaza e a proibição da ajuda humanitária aos que aí vão morrendo de fome, mormente crianças, são a mais trágica e expressiva imagem do que hoje se passa no mundo. Mas não a única, há outras, entre as quais a da invasão da Ucrânia pela Rússia.
Entretanto, a outro nível, só político, sem “extermínio” ou conflito armado, a imagem mais expressiva deste dramático tempo é Donald Trump: um misto explosivo de sede/ostentação de poder, ausência de formação cívica/cultural e de espírito democrático. De par com outras características, tudo fazendo dele, à frente da maior potência planetária, uma ameaça para o mundo.
E também Trump não é único. Recorde-se, por exemplo, Jair Bolsonaro, que está a ser julgado por tentativa de golpe de Estado – depondo, com um ar cordato, quase de “cordeiro manso”, jurando, contra as evidências, que sempre jogou dentro das “quatro linhas” da Constituição.
Longe e perto, há muitos a apoiar aqueles e outros crimes, numa lamentável passividade ou num indesculpável silêncio a seu respeito. Longe e perto, há quem tenha em Trump um farol: e alguns, se chegados ao poder, poderiam ser ainda piores. O que por um lado é consequência e por outro potencia o clima de ódio, violência, intolerância, mentira, que se vive em várias latitudes. Reduzidos a zero ou à expressão mínima, como estão no Ocidente, regimes criminosos e totalitarismos de sinal oposto, tudo isto se traduz em ressurgimento e ação de grupos nazi-fascistas, e/ou crescimento exponencial de uma extrema-direita que às vezes deles se aproxima e sempre lhes constitui fator propício.
Vêm estas obviedades, que não resisti a trazer à colação, para “enquadrar” os recentes atos de violência e as ameaças de cariz fascista, racista, que ocorreram também entre nós. Enquanto nos EUA, além do resto, uma senadora democrata e o marido são assassinados por um desses “produtos” extremos do terrível momento que atravessamos. E a que se impõe resistir, cujas causas é imperioso combater.
De facto, não é tolerável mais a complacência, a passividade, a inação. As diferenças entre direita e esquerda continuam a existir, embora não as mesmas do passado. Mas na atual situação a primeira clara clivagem, e a primeira linha do combate, em todas as frentes, deve ser, tem de ser, entre os que defendem a democracia e os que querem destruí-la; entre os que advogam a tolerância, o respeito pelos outros, e os semeadores de ódio; entre o humanismo e a lei da selva; entre a decência e a indecência.
E quando se praticam crimes como os referidos, que líderes políticos e mentores ideológicos daqueles setores extremistas se veem obrigados a condenar, não podem alijar a sua responsabilidade na criação da situação e do clima de ódio em que se inserem, ou que poderão estar mesmo na sua base.
Começar a “agir”
No quadro do combate a que se refere o texto, uma das primeiras medidas indispensáveis é aprovar uma legislação que permita evitar, quanto possível, a ação criminosa dos grupos que ali se referem, bem como a impunidade de que atualmente gozam os que mentem, insultam, difamam, através das redes sociais. Não sou frequentador, mas pelo que leio é verificação/opinião unânime ser assim – e não poder continuar assim.
No Brasil o Supremo Tribunal Federal acaba de tomar, quase por unanimidade, uma importante decisão nesse domínio, para a qual remeto os governantes e legisladores portugueses. Também concordo com o que Pedro Marques Lopes diz no seu magnífico texto da nossa última edição.
Tem-se falado muito da “reflexão” necessária após os resultados das legislativas. Os responsáveis pelas televisões são dos que mais precisam de “refletir”, e mudar. Mas há muito mais.

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